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Projetos para minimizar analfabetismo funcional

Guarulhos, 21 de março de 2006

Ler é preciso, mas 38% da população brasileira de 15 até 64 anos possui um nível de alfabetização apenas básico e 30%, em um nível rudimentar, segundo o 5º Indicador de Pesquisa Funcional (INAF), de 2005, do Instituto Paulo Montenegro (IPM). Estas duas classificações retratam o analfabetismo funcional, quando a pessoa com grau de alfabetização insuficiente com dificuldades na leitura e escrita.

Frente a isso, especialistas defendem que o hábito da leitura é fundamental para o desenvolvimento sociocultural do indivíduo. O estudo Retrato da Leitura no Brasil, feito em janeiro de 2001, pela Associação Brasileira de Celulose e Papel, Associação Brasileira de Editores de Livros, Câmara Brasileira do Livro e Sindicato Nacional dos Editores de Livro, definiu que leitor é aquele que leu pelo menos um livro nos últimos três meses e mostrou que quanto maior a escolaridade, maior a incidência de leitura de livros.

A pesquisa relata ainda que 30% dos estudantes de 1ª a 4ª séries e 11% dos alunos do ensino superior nunca pegaram num livro espontaneamente. A leitura frequente de livros ocorre em apenas 1/3 da população brasileira adulta alfabetizada, sendo que 61% têm pouco ou nenhum contato com livros e 70% dos leitores assíduos são das classes B e C. Quando estimulados a consumirem mais livros, 34% responderam que comprariam se fossem mais baratos.

Organizações sociais e governo procuram se unir pela mudança desse cenário. Um exemplo é a Fundação Palavra Mágica, instalada em Ribeirão Preto – SP, que desenvolve atividades de leitura e cidadania em parceria com comunidades de baixa renda, associação de moradores e outras organizações sociais. “Procuramos fazer oficinas de leitura descaracterizadas do âmbito escolar e seguir uma metodologia específica”, afirma Luciana Paschoalin, coordenadora da entidade.

A ONG desenvolve a Oficina Palavra Mágica de Leitura e Escrita, um programa voltado a promover habilidades de leitura, escrita e oralidade, destinado a jovens e adultos com baixo desempenho na leitura e escrita. Tem duração de dois anos, e é dividido em quatro módulos. Até agora, 250 jovens já participaram das oficinas e, no momento são 150 em sala de aula. Os professores, conhecidos como mediadores de leitura, também passam por uma capacitação antes dos encontros com os jovens.

“A idéia é trabalhar com profissionais de Educação, que passam por uma formação inicial de quatro meses e nos reunimos sempre para uma avaliação dos encontros, do desempenho dos jovens e outros aspectos”, responde a coordenadora da Fundação.

No primeiro encontro, a mediadora convida os alunos a escreverem um texto sem, entretanto, obrigar ninguém a fazê-lo. Geralmente, segundo Luciana Paschoalin, as aulas começam por um texto para incentivar uma discussão e os alunos podem se expressar de diversas formas (fotografia, música, texto, poesia, letra de música e outros). Isso ajuda no desenvolvimento crítico do aluno. No final de cada módulo, há a publicação dos textos dos jovens, o que serve de estímulo a escreverem mais e faz com que se sintam mais valorizados.

Esta oficina acontece desde novembro de 2005 no projeto Vida Laura Vicunha, responsável por desempenhar atividades sócio-educativas na comunidade Adelino Simione, da cidade de Ribeirão Preto (SP). Nos encontros de sexta-feira à noite, os jovens lêem e discutem temas da sua realidade, como problemas da adolescência, relacionamento com o corpo, entre outros.

Maria Jane Cleide da Silva Mota, 15 anos, participa da oficina há dois meses e conta que não tinha o costume de expressar sua opinião na sala de aula. Hoje gosta de ler contos e poemas. Já Eliete Silva de Oliveira, 13 anos, tinha aversão pela leitura, mas decidiu ir aos encontros por curiosidade. “Agora leio mais crônicas, poesias, histórias, comento até sobre alguns livros. Depois dos encontros entendo várias palavras que nunca tinha ouvido falar e melhorei em interpretação de textos na escola”, conta Eliete.

Araci Isaltina de Andrade Hillesheim, professora de Catalogação do curso de Biblioteconomia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), defende que o incentivo à leitura tem que contar com apoio dos pais. A professora participou de “Atividades de Incentivo à Leitura em Bibliotecas Escolares”, um projeto de extensão aos alunos da graduação de Biblioteconomia da UFSC. Era um trabalho em campo, na qual os alunos desenvolviam atividades em escolas públicas de Florianópolis. Com início em 1995 e término em 2004, o projeto recebeu apoio financeiro da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão da UFSC.

“As bibliotecas públicas são carentes de material e profissionais qualificados. Apenas em 2005 as escolas municipais efetivaram concurso para bibliotecários”, afirma a professora da UFSC. Ela acrescenta ainda que os professores da rede pública de ensino não têm o hábito da leitura e não incentivam seus alunos. Por isso, o projeto fez atividades como a Hora do Conto, elaboração de Mural, com divulgação de eventos em datas comemorativas e fatos da cultura local.

Além dos serviços bibliotecários de incentivo à leitura, o projeto ofereceu capacitação aos professores. Na ocasião, demonstrou-se a esses profissionais algumas possibilidades de acervos de uma biblioteca no processo de ensino-aprendizagem. Entre os resultados, notou-se uma mudança no tratamento dos professores sobre biblioteca escolar e esclarecimento dos serviços prestados de um bibliotecário, que pode ser envolvido no processo pedagógico da escola. Este local passou a ser visto como um local de aprender e fonte de informação e conhecimento, segundo relato do projeto.

“A leitura traz inúmeros benefícios. Ela possibilita a pessoa conhecer outras culturas e diferentes realidades”, pontua Araci Hillesheim. Hoje o projeto de extensão é incentivo à leitura na Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais de Santa Catarina, que pretende desenvolver atividades de leitura entre os deficientes nos diferentes espaços da organização. “Organizamos todo o material na biblioteca e brinquedoteca para que os alunos e professores APAE-SC conscientizem a importância desses espaços”, ressalta.

“O primeiro momento-leitura deveria ser a família. A criança que vê a mãe, o pai, os avós, os tios, os primos, os vizinhos lendo um livro, já traz dentro de si o germe da leitura e tende a, quase que automaticamente, se encaminhar para o livro”, defende Regina Drummond, escritora e coordenadora do Projeto Paixão de Ler. Para conscientizar as famílias da importância da leitura, a Associação Brasileira de Difusão pelo Livro (ABDL) desenvolverá dois projetos: Ler com Paixão e Ler em Casa. O primeiro atua na formação de professores-leitores através de cursos com vídeo e outros materiais para profissionais do Ensino Fundamental da rede pública. No outro, dez mil agentes de leitura da ABDL estimularão programas de leitura nas famílias.

De acordo com Regina Drummond, será publicada uma revista com matérias de interesse do público-alvo. Os agentes de leitura da ABDL farão a distribuição gratuita junto às famílias, mas também poderão ser encontradas em metrôs, na periferia através das ONGs, nas escolas (pelas Secretarias de Cultura e de Educação, por exemplo). Estes produtos têm a finalidade de interagir com as escolas e os professores, apresentando temas que possam ser trabalhados na sala de aula. “Será um veículo de comunicação entre professores e pais, governo e cidadão, autores e leitores, editoras e livrarias e consumidores. Já temos um modelo pronto. Não há nenhum critério especial de seleção. Basta querer participar”, afirma.

Em relação ao Ler com Paixão, há duas versões, uma destinada a professores da pré-escola até a quarta série do Ensino Fundamental e outra adaptada para professores de quinta a oitava série. Para os professores da pré-escola até quarta série do Ensino Fundamental, o projeto pretende abordar temas como análise e classificação de um bom livro, excesso de informações, funcionamento de bibliotecas públicas, motivação para leitura, narração de histórias, psicologia de contos de fadas, dentre outros assuntos.

Para executar os projetos de incentivo à leitura, a ABDL precisa de patrocínio. A escritora acrescenta ainda que “ler é importante para qualquer pessoa, mas torna-se prioritário para quem deseja “crescer na vida”. Não ser apenas mais um, “um grão de areia perdido no espaço”, fazendo minhas as palavras do grande poeta Omar Kayan. Ler é um direito de cada cidadão, é um exercício de cidadania. No dia que todos os brasileiros tiverem aprendido a gostar de ler, nosso país será imbatível”, rebate.

Programa da Secretaria Municipal da Educação pretende aumentar nível de qualidade de ensino e leitura do Nível Fundamental

Uma pesquisa por amostragem realizada pelo Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Básico em 2003, mostra que 30% dos alunos do 3º ano do Ciclo I na Região Metropolitana de São Paulo não sabem escrever convencionalmente. De acordo com informações da assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Educação, estima-se ainda que, a partir dos anos 90, a rede municipal de ensino gerou 17 mil alunos com graves insuficiências de alfabetização.

Com o objetivo de romper a cultura escolar, que aceita o fato de os alunos percorrem os anos dos ciclos sem conseguirem aprender a ler e escrever, ainda em 2006, a Diretoria de Orientação Técnica da Secretaria Municipal de Educação, lançou o “Programa Ler e Escrever – prioridade na Escola Municipal”, que envolverá 3 mil coordenadores pedagógicos, 2 mil professores de 1º ano, e 468 para as turmas especiais de recuperação do 4º ano.

Algumas medidas foram tomadas ainda no ano passado, para envolver educadores no processo de melhoria da qualidade da educação, fortalecer equipes pedagógicas e conseguir uma maior eficiência no ensino da leitura e da escrita. Foi criado também um sistema municipal de avaliação e aproveitamento escolar, para orientar as políticas e recursos da secretaria em busca da melhoria da qualidade do ensino.

O “Ler e Escrever” foi dividido em três sub-programas. O primeiro. “Toda Força ao 1º Ano do Ciclo I”, é voltado para alunos e professores dessa série. O objetivo é fazer com que, ao final do primeiro ano letivo, nenhuma criança tenha dificuldade para ler e escrever. Para isso, prevê a formação de coordenadores pedagógicos e professores, além da elaboração de materiais de orientação para professores, pais e alunos, convênios com instituições de ensino superior, e distribuição de materiais didáticos. Além disso, o projeto alocará um auxiliar de ensino (estudante de Pedagogia ou Letras), para ajudar o professor na alfabetização em sala de aula.

O segundo sub-programa, ” Projeto Intensivo no Ciclo I” (PIC), pretende criar classes especiais de recuperação, para zerar o número de alunos insuficientemente alfabetizados existente nas classes de quarto ano do Ciclo I. O projeto prevê a organização de salas de aulas do PIC nas escolas, com até 35 alunos retidos no 4º.

Já o terceiro projeto, o “Ler e Escrever em todas as áreas do Ciclo II” tem como meta elevar a competência para ler e escrever dos alunos do Ciclo II, pressupondo que o ensino da leitura e da escrita passe a ser tarefa de todos os professores, e não apenas dos de Língua Portuguesa. Nesse momento, pretende-se que os alunos adquiram competências para que sejam capazes de ler um texto de divulgação científica, selecionar argumentos para um debate, codificar gráficos e tabelas ou interpretar mapas.

Susana Sarmiento