Notícias

Os prós e contras da unificação das legislações do ICMS

Guarulhos, 26 de outubro de 2004

Coração da reforma tributária e motivo de acirramento da guerra fiscal, a polêmica unificação das alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) volta a ser discutida pelo Congresso Nacional após o segundo turno das eleições municipais. Pelo menos é o que promete o relator do projeto na Câmara dos Deputados (PT-MG), Virgílio Guimarães. A substituição das 44 alíquotas existentes por apenas cinco – a máxima será de 25% – que valerão para todos os estados e a unificação do regulamento do tributo estão entre os pontos da emenda constitucional nº 285 que prometem discussões calorosas entre deputados e senadores.

Nos bastidores, os debates já começaram. Com a mesma força que gera opositores, que a classificam de desastrosa, principalmente para os contribuintes, a unificação do ICMS atrai adeptos que a vêem como uma luz no fim do túnel. “A grande reforma tributária, aquela que vai realmente surtir efeitos para os contribuintes, vai começar. Na primeira emenda constitucional do sistema tributário Lula não houve reforma digna desse nome. O presidente a chama de “reforma” por mera retórica política, já que houve basicamente a prorrogação da CPMF e da DRU”, afirma Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria.

E o ex-ministro acredita que “foi melhor assim”, já que, se o texto fosse aprovado como estava inicialmente, seria um “verdadeiro monstrengo na área do ICMS, que iria gerar mais confusão e custos do que solução e eficiência. Agora, depois que o Senado depurou o projeto de seus principais defeitos, tornou-se possível efetuar uma boa reforma desse tributo, que, se aprovada, vai representar uma enorme simplificação, com reflexos muito positivos para a economia”.

Um dos pontos de maior discórdia da reforma é a padronização das alíquotas do imposto em nível nacional. O projeto em discussão limita o número de alíquotas a cinco, que seriam uniformes em todo o território nacional. Atualmente, explica Maílson – que é favorável à medida por acreditar que ela que deve reduzir tremendamente os custos das empresas e o potencial de sonegação -, graças à Constituição de 1988, que atribuiu aos estados o poder de legislar sobre o ICMS, existem centenas de alíquotas explícitas e milhares de outras implícitas.

Apesar dos elogios de Maílson, a opinião não é unânime e a proposta continua desagradando diversos tributaristas, como Clóvis Panzarini, ex-coordenador de administração tributária da Secretaria da Fazenda de São Paulo. “O seu foco é combater a sonegação, sem se importar com os transtornos que vai representar para os contribuintes. No final, quem vai pagar a conta é o bom pagador do imposto, pois o mau vai continuar emitindo nota fria”, diz.

Crítico ferrenho das alterações propostas para o imposto com o qual lidou quase uma vida inteira, Panzarini chama a atenção para os seus reflexos negativos antes mesmo de serem aprovadas. “Hoje tudo o que está acontecendo em termos de guerra fiscal decorre dessa proposta de emenda constitucional”, diz, referindo-se a um dos seus dispositivos que prevê que todos os benefícios fiscais concedidos até a data da promulgação da emenda, que ninguém sabe quando será, poderão ser convalidados por 11 anos.

Aumento da carga – Diferentemente do que pensa Maílson, Panzarini acredita que o texto atual vai mexer no bolso do consumidor. Ele vê a padronização como um prenúncio de aumento brutal de carga tributária. Pelo seu raciocínio, na hora de se promover a padronização das alíquotas em nível nacional, a tendência é que a escolha recaia pelas mais altas.

Na opinião de Panzarini, está se vendendo a imagem de que a proposta vai trazer uma enorme simplificação, “o que não é verdade”. A padronização de alíquotas, diz, vai facilitar a vida de apenas uma pequena parcela de contribuintes. Para a maioria, entretanto, a rotina tributária não mudará em nada. “A emenda pode diminuir um pouco a burocracia para as empresas que tem estabelecimentos em vários estados, que são 2% ou 3% do total. E mesmo para as empresas multiestaduais, como uma rede de supermercados, não há dificuldades para que seus sistemas adequem as alíquotas para os diversos estados onde atua. É o computador que faz essas contas”, completa.

A cobrança do imposto integralmente na origem e repasse da receita ao estado da localização do destinatário da mercadoria, prevista no texto que será discutido, também foi duramente criticada pelo tributarista. Com a proposta, cada contribuinte que vender para outro estado terá que fazer duas operações. Em outras palavras, terá de se cadastrar e a se submeter a tantos fiscos quantos forem os estados onde têm clientes. E os fiscos de todos os estados terão de fiscalizar contribuintes em todo o Brasil. “Será um caos”, critica.

O regulamento único também não escapa das críticas de Panzarini. “Ele será feito a 54 mãos, pelos 27 estados, representados no Confaz. Acho que vai ficar 27 vezes mais complicado, pois cada burocrata vai querer colocar nesse regulamento as exigências que está acostumado a fazer ao seu contribuinte.”

O ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, acredita que a reforma vai ajudar, mas não resolver o problema. “O número de alíquotas deveria ser menor ainda. No máximo, três”, sentencia Everardo, que acredita que o ICMS deveria ser federal. “Essa diversidade de regulamentos só atrapalha e faz crescer o número de alíquotas.”

Everardo defende ainda a extinção de qualquer tipo de incentivo fiscal, que segundo ele são “uma distorção tributária”. “Os estados não aumentam riqueza com incentivos fiscais. Para atrair investimento e indústrias eles devem investir em infra-estrutura e mão-de-obra qualificada”. Já para Maílson, o problema não são os próprios incentivos fiscais, mas a forma como o ICMS é usado para isso. “O uso de incentivos para atrair empresas é uma característica mundial. O problema é usar o ICMS com esse objetivo.”

Clarice Chiquetto e Sílvia Pimentel