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Estréia do Feriado Os Outros

Guarulhos, 01 de novembro de 2001

ImagemNão sei se é apropriado estrear em Finados um filme de fantasmas, mas faz tempo que o cinema perdeu seu bom senso e pudores. Enfim, ao menos é um bom filme do gênero. Na verdade, é um caso raríssimo de uma fita que deu certo este ano, ficando quase dois meses entre os dez mais de bilheteria nos EUA e chegando agora perto dos 100 milhões de dólares (que a Miramax certamente vai fazer ultrapassar, inclusive porque o boca a boca dele é ótimo, coisa rara nos filmes recentes). Tem até chance para o Oscar®, ainda mais num ano ruim como este.

Além de tudo, a fita é um presente que Tom Cruise deu para sua ex-mulher Nicole Kidman, que agora se consagra definitivamente como estrela e boa atriz (uma parceria rara se considerarmos que ela possui uma grande beleza). Foi ele quem descobriu o diretor espanhol (mas nascido no Chile) Alejandro Amenábar, que se revelou com uma fita que passou no Brasil com sucesso, “Morte ao Vivo” (Tesis, 1996), que lançava Eduardo Noriega ao lado de Ana Torrent e é ainda o melhor filme já feito sobre snuff movies, um suspense de primeira linha. Depois disso fez outro bom filme, “Abre Los Ojos”, de 1997 (não passou em nossos cinemas indo direto para vídeo como “Preso na Escuridão”, novamente com Noriega e mais Penelope Cruz). Tive também a sorte de numa visita à Espanha assistir num canal a cabo os primeiros curtas do diretor (muito jovem, não deve ter chegado aos trinta anos), em que também aparecia atuando, além de como de hábito ser roteirista e autor da trilha musical.

Pois Cruise fez um duplo pacote: refilmou “Abre los Ojos” agora como “Vanilla Sky”, dirigido por Cameron Crowe (de “Jerry Maguire – A Grande Virada”) com Penelope repetindo o papel (e de quebra levando Cruise como namorado e provocando o fim de seu casamento de dez anos com Nicole), que estreia nos EUA no fim deste ano. E produziu também este “Os Outros”, com o dinheiro (modesto) da Dimension, divisão especializada da Miramax. A fita estreou em agosto nos EUA, onde eu a assisti, achei interessante mas temia que o público americano a rejeitasse já que fugia do padrão do terror comum, estilo “Pânico”. Era mais europeu, mais refinado, de época, tinha certa semelhança com “O Sexto Sentido” mas muito mais com “Os Inocentes” de Jack Clayton (a melhor adaptação do livro “De Outra Volta do Parafuso”, de Henry James).

Enganei-me, ajudado por uma safra muito fraca. O filme foi crescendo e virou fenômeno. Foi um presente de divórcio que Cruise deu para Kidman (parece que os dois brigam ainda nos tribunais pela partilha dos bens e deviam levar em conta este filme também). Amenábar, embora tenha rodado em inglês, teve a inteligência de manter o controle total do projeto, rodando na Espanha (que consegue se parecer sem problemas com a Inglaterra) com sua equipe habitual. A fita tem um lado propositalmente antiquado (Nicole está por exemplo penteado e vestida de forma a se parecer bastante com Grace Kelly). Faz lembrar filmes de suspense dos anos 40, aqueles que tinham mulheres em perigo e romances góticos britânicos do tipo “Rebecca – A Mulher Inesquecível”, “Jane Eyre”, “O Morro dos Ventos Uivantes”. Mas cuidado: mais uma vez não leia muito a respeito do filme antes de assisti-lo (porque sempre tem um jornalista antipático da grande imprensa que faz questão de estragar o prazer e revelar o final). Nem conte para os amigos, o final é surpresa sim.

A história se passa na remota ilha de Jersey, na costa da Inglaterra. Após o fim da Segunda Guerra em 1945, três pessoas, obviamente empregados, batem à porta de uma mansão. São recebidos por Grace (Kidman), uma mãe solitária que vive lá com o casal de filhos. O marido foi morto durante a guerra e os ultimos empregados desapareceram. Por isso aceita os visitantes, Mr. Tuttle (Sykes), a governanta Mrs. Mills (Fionnula), e a jovem cozinheira Lydia (Elaine Cassidy). Segundo Grace, os filhos sofrem de uma doença rara mas séria, que não os permitem ser expostos aos raios do sol porque lhes causam alergia. Isso a obriga a deixar a casa toda protegida por cortinas, sem telefone ou rádio, afastados do mundo. O problema é que as crianças também começam a ouvir barulhos e sintomas de uma presença na casa, que parece ser fantasmas. Grace a principio renega as evidências, mas também começa a se assustar.

Mais que isso não quero contar para não estragar a fita, mas basta dizer que os fatos são verossímeis (realmente existe essa doença dos filhos, que o hábito das fotos dos mortos é real e sucedia antigamente), a direção é habilidosa e o filme não provoca sustos fáceis, é mais de clima, de ambientação, de envolvimento que vai crescendo até uma resolução satisfatória. Nem é preciso dizer que Nicole está extraordinária e domina o filme, com seu inegável carisma, talento e beleza. Nem que “Os Outros” é o filme para se ver e que deve virar o assunto da cidade e o país nas próximas semanas.