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A Era da Turbulência

Guarulhos, 25 de fevereiro de 2008

O título acima não se refere à atual situação do mercado financeiro internacional, afetado pela crise crédito hipotecário nos Estados Unidos, mas ao volumoso livro de Alan Greespan, que tem como subtítulo “ Aventuras em um Novo Mundo”, e que mostra a trajetória de um dos principais economistas, que por cerca de cinco décadas acompanhou de posições privilegiadas a evolução da economia norte americana, tendo por 18 anos comandado o FED, o Banco Central da maior nação do mundo, cujas ações repercutem, inevitavelmente, nos demais países.

Apresentado por Pedro Malan em sua edição brasileira e comentário de Armínio Fraga na contra capa, o livro descreve não apenas a trajetória do músico que se converteu em economista, mas os principais fatos que afetaram, positiva ou negativamente a economia norte americana, e o mundo, no longo período em que Greespan acompanhou, ou participou em posições estratégicas, da economia americana analisa, suas idéias políticas e filosóficas, suas previsões para 2030 e analisa a situação de países como China, Índia, Rússia e da América Latina. Deve-se destacar nessa auto biografia do economista, alguns pontos muito relevantes no que se refere às suas convicções sobre “as causas do desenvolvimento”, bem como o capítulo em que analisa, e critica, o sistema educacional dos Estados Unidos, especialmente a questão do ensino de matemática, destacando a falta de bons professores para o ensino dessa matéria. Se multiplicarmos por 5 os problemas por ele levantados no tocante à qualidade do ensino básico e médio norte americano, talvez se tenha uma descrição do que ocorre no Brasil em matéria de educação, sem que se observe uma reação mais forte da sociedade.

Um ponto importante das posições de Greespan, destacado por Malan em sua introdução, é a afirmação de que na análise das opções sobre política econômica, ele sempre se perguntava: quais serão os custos se estivermos errados? Se não há riscos, podemos tentar qualquer política. Mas se o custo (de uma política) é potencialmente muito elevado, esta deve ser evitada, mesmo que a possibilidade de sucesso seja maior que 50/50, porque não se deve aceitar o custo excessivo do fracasso e suas conseqüências.

Se tal atitude tivesse sido seguida no Brasil por formuladores dos diversos “choques heterodoxos”, seguramente a população brasileira teria sofrido menos traumas e teríamos antes adotados medidas corretas para resolver os problemas da economia brasileira, ao invés de aventuras irresponsáveis”. Alan Gresspan afirma que, recém formado, aderiu a filosofia denominada “ positivismo lógico” uma variante do “ empirismo” cujo princípio básico é o de que o conhecimento só se adquire com base em fatos e números, não existindo princípios morais absolutos.

Essa filosofia combinava com sua formação matemática e sua mente analítica, mas, conhecer Ayn Rand, tornou-se adepto de suas idéias, embora discordado de algumas de suas posições. Ayn Rand, judia russas emigradas para os Estados Unidos, foi a criadora da filosofia que se tornou conhecida como “ Objetivismo”, cujos principais pontos foram desenvolvidos em dois romances, além de diversos artigos: The Fountainhead ( A Nascente ) e Atlas Srugged ( traduzido no Brasil com “ Quem matou John Galt ) e que podem ser resumidos em : individualismo, egoísmo racional e capitalismo. Segundo Greespan, essa doutrina, que levou à criação do Partido Libertário, poderia ser chamada de libertarismo, uma vez que a conotação de liberalismo nos Estados Unidos é diferente da que adotamos. Sua admiração por Adam Smith, pela “mão invisível” do mercado e, especialmente pela “divisão racional do trabalho” aparece claramente no texto, assim como pelo conceito da “destruição criativa” de Schumpter. Um dos grandes teóricos da economia moderna, austríaco de nascimento, Schumpeter considerava como os três principais fatores do desenvolvimento, as inovações tecnológicas, o crédito bancário e o empresário inovador, que ele chama de empreendedor, que promoviam a “ destruição criativa” ao usar novas tecnologias, criar novos produtos, desenvolver novas formas de organizações, descobrir novos mercados.
A “destruição” da velha estrutura e sua substituição pela nova é que conduz ao progresso no capitalismo. Com base nessas idéias, Greespan defende com muita ênfase, a globalização, o direito de propriedade, o respeito aos contratos, a confiança entre os agentes econômicos e a flexibilidade das instituições para permitir a economia se ajustar às mudanças. Considera a estabilidade monetária fundamental para o desenvolvimento, pelo que defende uma política fiscal responsável e afirma que é muito difícil a regulamentação dos diversos “fundos ‘, ou do mercado de ações, porque enquanto se estuda o que fazer a situação já mudou devido à rapidez com que ocorrem as transações e ao fato de que o mercado é global”.

Greespan revela suas dúvidas sobre se compete ao Banco Central se preocupar, ou atuar sobre os preços dos ativos, ou apenas a estabilidade de preços dos produtos, mesmo quando havia nítidos sinais de que estava ocorrendo uma “exuberância irracional” no mercado acionário americano, concluindo que não havia como saber, “a priori” quando os preços das ações estão excessivos ou não.

Muitos outros pontos relevantes são tratados por Greespan nesse livro, que ajuda a entender alguns dos problemas que estão ocorrendo no momento, e que servem para explicar, embora na opinião de alguns não para justificar, a política adotada pelo FED nos últimos anos, apontada como responsável pela crise atual, por ter mantido por um período muito longo as taxas de juros a níveis muito baixos. Concorde-se ou não com essas críticas, é importante a leitura de A ERA DA TURBULÊNCIA, porque estamos vivendo nela e o livro de Greespan pode nos ajudar a entender algumas de suas causas e possíveis desdobramentos.

Marcel Domingos Solimeo é superintendente de Economia da ACSP (Associação Comercial de São Paulo)