Notícias

Classes populares sem blá-blá-blá

Guarulhos, 25 de maio de 2009

Muito temos ouvido sobre como alcançar o público de baixa renda nas nossas ações de marketing, mas ainda há um longo percurso a ser traçado para se entender sua dinâmica. Há inúmeras empresas se preocupando em criar itens diferenciados, com quantidades menores, novas embalagens, para assim reduzir o valor dos produtos. Há muitos acadêmicos pesquisando e teorizando sobre o assunto, definindo perfís, criando modelos etc.

Mas isso é pouco, muito pouco, pois continua existindo uma distância enorme entre tais ações e a realidade que cerca essas pessoas. Na verdade, existe um grande abismo entre aquelas que desenham essas estratégias e aquelas que as consomem.

Apesar da realização de inúmeras pesquisas voltadas para penetrar nesse mundo, por meio de quaisquer métodos, seja por entrevistas ou por uma “falsa” convivência com as famílias de baixa renda, a distância quilométrica ainda permanece. Esse abismo se reflete em diversos pontos de não-contato, como a cultura, o vestuário, o gosto musical, a estética, os lugares frequentados. Enfim, quase tudo é diferente. E obviamente isso interfere na forma como as pessoas consomem produtos, crédito, serviços e cultura.

Basta observar as construções de casas na periferia da cidade para se perceber uma estética completamente diferente, com pouca preocupação com o visual, até mesmo porque não há verba disponível para se elaborar uma decoração, por exemplo.

Ou então, observe a multidão de trabalhadores apinhados dentro dos trens da cidade, indo para seus respectivos locais de trabalho. Veja o que eles vestem, veja o que eles levam nas bolsas ou sacolas. Veja como eles se alimentam, o que levam nas marmitas, veja como falam e como se comportam. Enfim, é preciso colocar o olhar muito mais próximo da realidade da vida dessas pessoas, do que apenas ler um relatório ou ver uma apresentação fria de alguma pesquisa, usando seu relógio Longiness, com seu terno Armani, indo trabalhar no seu Audi, almoçando em algum restaurante fino do Itaim.

Para conhecer esse público de verdade, as empresas poderiam contratar pessoas provenientes desses grupos para integrar suas equipes e trazer essa realidade para dentro da empresa, decifrando um pouco mais desse grande labirinto. Mas é claro que isso é bem difícil, não é? Até mesmo porque essas pessoas têm um nível de escolaridade mais baixo, o que dificulta a convivência, em alguns casos, gerando até certa intolerância por parte dos atuais membros do time. Além disso, como foi dito acima, esse grupo tem gostos e hábitos bastante diferentes, o que mais uma vez impacta na convivência, tornando-a mais complexa. Outras vezes, isso exige que a empresa complemente sua formação, para preencher certas lacunas.

Não quero que minhas palavras pareçam preconceituosas, mas essa é a realidade. E enquanto continuarmos a tratar esses grupos como “eles lá, nós cá”, tudo continuará parecendo muito falso. A receita não é fácil, mas é necessária.

Sandra Turchi é Superintendente da Associação Comercial de São Paulo e professora da ESPM