Notícias

Como evitar uma enxurrada de ações

Guarulhos, 26 de maio de 2003

Da sacola de um consumidor, um vidro de maionese cai espalhando-se na rampa de acesso do supermercado. Alguém passa, não vê, escorrega e tem múltiplas fraturas. Descrições como essa, objeto de ação na justiça em primeira instância, são freqüentes nos tribunais brasileiros, nos últimos dez anos.

As decisões proferidas pelos juízes confirmam: são cada vez mais freqüentes as ações de responsabilidade civil em que comerciantes são culpabilizados por danos sofridos pelo consumidor no ambiente da loja. Os prejuízos – que podem ser de ordem física, moral ou material – têm sido motivos de indenizações de até R$ 1 milhão.

Acidentes – Como a maionese, outros produtos têm gerado uma série de acidentes no ambiente de supermercado, entre eles o óleo, o arroz, o sabão, o macarrão e os refrigerantes. Espalhados no piso, eles têm levado compradores a acidentes com lesões físicas leves até à tetraplegia. Caso recente envolvendo Tercila Nunes, que em março de 1998 caiu em piso sujo de óleo em uma loja do Carrefour de São Paulo, foi analisado pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ e resultou numa indenização de R$ 10 mil. Relator do processo, o ministro Sálvio de Figueiredo analisou o pedido de indenização moral também neste caso, o que não foi conseguido pela consumidora.

Quantum – Em entrevista ao Diário do Comércio, o ministro Sálvio de Figueiredo observou o papel do tribunal nestes casos. “O questionamento na esfera do STJ refere-se muito mais à apuração do ?quantum? a ser indenizado do que a culpa propriamente dita do comerciante”. Na maioria dos casos, segundo o ministro, a culpa já foi definida e comprovada por tribunais de instância inferior. “Existe uma tendência a se rever principalmente o valor da indenização por dano moral, tido como lesão à personalidade, ao âmago e à honra da pessoa, e que é de difícil constatação. Os reflexos atingem parte muito própria do indivíduo, o seu interior”, analisa. O ministro pondera que existe um verdadeiro disparate dos valores solicitados. “Realmente acabamos por rever esses valores”, avalia.

Legislação – A advogada Débora Nobre, especialista em Direito do Consumidor, explica que casos como o de Tercila são freqüentes, mas passíveis de serem evitados e minimizados pelos comerciantes. “Os acidentes com consumidores se caracterizam como a má prestação de serviço por parte do comerciante e por isso ele responde pelos prejuízos causados”, esclarece a advogada.

O advogados Nelson Massini Jr, explica que a culpa está relacionada à negligência, imperícia ou imprudência em relação a esses fatos. “Um chão molhado é negligência”, descreve Massini, destacando que “ao abrir as portas, o comerciante provoca pessoas a entrarem em seu estabelecimento e, por isso, presume-se que, ao entrar ali, elas não estarão correndo riscos”.

Prevenção – As ações preventivas, segundo os advogados, começam com a preocupação em relação à segurança no ambiente da loja. Além dos cuidados básicos exigidos pelos órgãos fiscalizadores – brigada de incêndio, rotas de fuga em caso de sinistros -, é necessário otimizar os serviços de limpeza e analisar as situações de risco. “obras de reforma sem isolamento, é área de risco para uma criança”, exemplifica Massini.

Auxílio – Mas, nem com toda a prevenção, os comerciantes deixam de sofrer riscos de serem acionados na justiça pelos consumidores. Nestes casos, orienta a advogada Débora Nobre, o imprescindível é prestar auxílio ao consumidor. “Não se pode, em hipótese alguma, deixar de dar assistência ao consumidor no momento do acidente. Fazer pouco caso com o acidentado prejudica a defesa no âmbito do Judiciário, provocando indenizações ainda maiores”. Massini compartilha da mesma orientação. “O auxílio prestado ao consumidor é importante na eventual defesa do estabelecimento comercial”, declara o advogado.

Outros acidentes – As ações judiciais movidas por consumidores contra lojistas não se resumem à questão da integridade física e, ainda, ao ambiente de supermercados. Levantamento feito pela reportagem do Diário do Comércio mostra que estabelecimentos comerciais de diferentes setores estão sujeitos aos mais variados tipos de ocorrências. Escolas, clubes de campo, bancos, shoppings tem sido acionados.

O dano moral, como descreve o ministro do STJ, Sálvio de Figueiredo, tem sido uma das alegações mais freqüentes nos processos. Um alarme contra roubo que é acionado por situação indevida expondo o consumidor a constrangimento, ou um segurança que agride o cliente, são situações merecedoras de indenização por dano moral.

Seguro – A advogada Débora Nobre defende a adoção, pelo comerciante, de um seguro de responsabilidade civil contra acidentes de terceiros. As seguradoras, em função dessa tendência de aumento no número de ações de consumidores, tem se planejado para a demanda por esse modelo de seguro. Segundo ela, esta é a única maneira efetiva de se proteger dos prejuízos decorrentes de ações judiciais com pedido de indenização. Ela lembra também que, ao responder por danos causados por produtos mal acondicionados ou impróprios ao consumo, a indústria fabricante poderá responder solidariamente nestes processos. “Ou então, ser acionadas em uma ação regressiva, depois de terminado o processo contra o comerciante”, orienta.

Diva Borges