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Cem dias de Lula surpreendem analistas econômicos

Guarulhos, 09 de abril de 2003

arteO presidente Luiz Inácio Lula da Silva surpreendeu os mercados e analistas políticos nos seus cem primeiros dias de governo – que serão completados nesta quinta-feira (10).

Seguiu a ortodoxia que analistas financeiros defendiam, mas não acreditavam que ele a adotasse. E conseguiu uma vitória no Congresso, com aprovação em primeiro turno na Câmara dos Deputados do projeto inicial de reforma do capítulo financeiro da Constituição.

Apesar dessas primeiras surpresas, porém, analistas de mercado e brasilianistas ouvidos pela BBC Brasil acreditam que ainda existam razões para cautela.

Segundo esses especialistas, muitas etapas precisam ser vencidas para que o país volte a crescer e para que seja possível cumprir as promessas de mais emprego e justiça social.

Desafios

“Até agora, o governo Lula tem apresentado resultados e implementado políticas muito mais ortodoxas do que era esperado de forma geral”, diz a corretora Commerzbank Securities, em relatório para seus clientes, recomendando a compra de títulos da dívida externa.

A corretora prevê que novos indicadores da economia devem confirmar progresso na área fiscal e melhora ainda maior nas contas externas, mas chama a atenção para os desafios que o país ainda tem que enfrentar.

Para a Commerzbank Securities, a sustentabilidade da dívida pública e a vulnerabilidade das finanças públicas aos choque externos – devido às pressões sobre a taxa de câmbio – são preocupantes.

Por isso, segundo o relatório, as reformas devem permanecer no centro da atenção dos investidores domésticos e internacionais.

Juros

Richard Fox, diretor sênior da agência de risco Fitch Ratings, reconhece que o presidente Lula tem sido uma grande surpresa para os mercados e que ele conseguiu uma vitória expressiva no Congresso.

“O desempenho do governo foi claramente acima das expectativas até agora, mas não vamos nos deixar levar pelo excesso de entusiasmo. Ele está no caminho certo, mas ainda há muito a fazer”, avalia Fox.

Para o diretor da Fitch, uma das questões decisivas para o bom desempenho do governo – e para a “popularidade do presidente” – será o comportamento da inflação e da taxa de juros.

Se a inflação cair e a taxa de câmbio se estabilizar em patamares mais baixos -mas sem afetar o desempenho das exportações -, estarão criadas as condições para a queda dos juros, segundo ele.

“Nessa situação, a economia voltaria a crescer, a pressão sobre a dívida e sobre as finanças públicas diminuiria, e o governo teria mais espaço para aumentar os gastos na área social”, observa.

Antes de chegar a esse estágio, porém, o país ainda terá que conviver com o arrocho fiscal por um longo período, na sua avaliação. “Resta saber se os brasileiros serão pacientes.”

Diálogo

Para o brasilianista Frank McCann, professor da Universidade de New Hampshire, nos Estados Unidos, a paciência é sempre um problema para os políticos.

“Nesses anos de observação, pude ver que os brasileiros são bastante pacientes. Mas Lula precisa conversar sempre com o povo, usar rádio e TV para explicar os problemas que está enfrentando”, recomenda McCann.

“Quando as pessoas entendem o que está acontecendo, é mais fácil aceitar”, acrescenta, argumentando que o governo está fazendo todo o possível para tentar resolver as questões sociais e administrar as dificuldades econômicas.

Ele lembra que a situação é muito complicada – “eu não gostaria de estar no lugar dele”, diz – e é agravada pela situação internacional.

“Todo o mundo está olhando para outra direção e não para o Brasil. Isso torna as coisas mais difíceis”, avalia McCann.

Agenda social

Segundo o brasilianista Timothy Power, professor da Universidade Internacional da Flórida, vários analistas – “e eu me incluo neste grupo”, reconhece – subestimaram o grau de pragmatismo do governo.

Ele acha que Lula terá de continuar com o pragmatismo e a cautela pelo menos até completar 15 meses de governo, pois o primeiro ano é muito importante. “Só depois disso, terá mais espaço para emplacar a própria agenda”, prevê.

Power observa que até agora, praticamente, o governo não teve oposição. Mas ele acredita que as críticas dentro do PT devem crescer, e o PMDB e o PSDB devem começar a querer marcar posição a partir do segundo ano de governo, aumentando as dificuldades do presidente.

Maria Luiza Abbott