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O cheque em linha direta

Guarulhos, 03 de maio de 2002

artePara os bancos, foi mais fácil do que se poderia esperar. O novo Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), que faz com que cheques e DOCs de valor elevado sejam substituídos por transferências on-line de dinheiro, começou a rodar na semana passada e não deixou ninguém sem receber o que deveria. Superado o primeiro degrau, o dos bancos, o mercado começou a olhar para a segunda onda de adesões compulsórias ao SPB. Quem está no foco agora são as empresas não financeiras. Elas não precisam de novas câmaras de compensação nem de sistemas sofisticados de mensagens, mas terão que aprender de novo como lidar com aquilo que têm de mais importante: o próprio dinheiro. Em primeiro lugar, muitas poderão ver suas contas descasadas, porque parte de suas receitas continuará passando pela antiga compensação, enquanto muitos pagamentos passarão a ser on-line. Mas há um outro risco mais grave e de alcance mais generalizado: o de as empresas simplesmente errarem seus pagamentos. A maioria esmagadora não sabe calcular suas contas e sustenta sua vida financeira à base de estornos em seus lançamentos. Exatamente o tipo de prática que deixa de existir no sistema on-line. “Operações eletrônicas são definitivas. Os sistemas de contas internos precisam mudar”, alerta a economista-chefe da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Clarice Messer.

Um aperitivo do que há para ser feito foi servido pelos bancos na semana passada. Na fase inicial, apenas pagamentos acima de R$ 5 milhões entraram nos novos sistemas de Transferência Eletrônica de Dinheiro (TED). Valor alto demais até para a maioria das grandes empresas. O jogo começou então quase só com os bancos. Temerosos, eles puseram o pé no freio e, no primeiro dia, alguns mercados chegaram a ter menos de 10% do volume normal de negócios. Mas, com tanta cautela, as instituições conseguiram todas manter seu saldo no azul junto ao Banco Central – regra nova que só terá que ser seguida efetivamente em agosto. As empresas não financeiras terão prazo parecido, mas estão menos preparadas. Em agosto, pagamentos de R$ 5 mil para cima passam a ser feitos pelo sistema on-line. E aí as empresas precisarão estar livres dos habituais desencontros entre as áreas administrativa, comercial e financeira, que costumam gerar pagamentos equivocados e estornos nos bancos. “O caixa tem que ser certinho, senão a empresa passa a depender do cheque especial. E isso tem um custo”, sublinha Reinaldo Le Grazie, diretor-executivo de tesouraria do Lloyds TSB.

Quando o sistema estiver a todo vapor, a transferência eletrônica retirará do mercado apenas 1,2% do total de cheques emitidos no País, segundo o Banco Central. Somados, porém, eles significam 70% do dinheiro que circula pelas câmaras de compensação. Para o comércio, isso significa que os lojistas continuarão recebendo cheques de pequeno valor, e que eles prosseguirão sendo compensados em um ou dois dias. Em supermercados, na média, os cheques representam 7% a 10% do faturamento. Os pagamentos a fornecedores, porém, deverão ser todos instantâneos. Omar Assaf, presidente da Associação Paulista dos Supermercados (Apas), acrescenta que vai ocorrer descasamento até com dinheiro vivo, quando um comerciante não puder depositá-lo no mesmo dia. O resultado será uma maior necessidade de capital de giro, para cobrir a deficiência de caixa. “O jeito é calcular a perda e absorvê-la toda de uma vez, em um dia. Depois as contas se reestabilizam”, explica. Na indústria, essa necessidade de mais capital de giro foi calculada pela Fiesp em R$ 1,3 bilhão ao mês.

Nesse cenário, crédito será ferramenta básica para as empresas cobrirem suas contas no dia-a-dia. “As empresas precisarão de linhas disponíveis no instante em que receberem informações sobre suas contas”, explica Henrique Chitman, diretor de produtos do Banco Santos. Na outra ponta, porém, elas poderão obter redução de tarifas. Uma transferência pelo TED começou custando o mesmo que um DOC tradicional, mas, além de muito mais segura e rápida, tende também a ficar mais barata. O novo produto estimula competição entre os bancos, já que instituições pequenas ganham capacidade de pôr dinheiro à disposição de seus clientes em qualquer parte do País, instantaneamente. “A comodidade estimulava a concentração nos bancos grandes. Agora, o SPB dará mais espaço para instituições periféricas”, afirma Alfredo Moraes, diretor de gestão de riscos da Federação Brasileira das Associações de Bancos (Febraban).