Só 54% sobrevivem à concordata
O empresário passa pela rua e vê, na mesma calçada, o advogado responsável pelo intrincado processo de concordata ao qual sua empresa esteve sujeito há alguns anos. Não tem dúvidas: muda de calçada, evitando um tête-à-tête com seu antigo consultor. A cena, que foi descrita pelo advogado, seria cômica, se não revelasse o lado trágico da situação do empresário sujeito a um processo concordatário no Brasil.
O caso acima integra a estatística de 54% das empresas paulistas que conseguiram sair de um processo concordatário. Segundo o Instituto de Economia Gastão Vidigal, da Associação Comercial de São Paulo, 46% acabam em falência num prazo médio de 22 meses. O índice é considerado alto tanto por advogados acostumados a defender credores como devedores, como por economistas e estudiosos do mercado. Este, aliás, é o principal mote para a mudança da Lei de Falência que hoje vigora no Brasil. Para tentar aumentar as taxas de reversão de concordata, a idéia é criar o mecanismo da “recuperação”.
Mal necessário – Considerada o último recurso para reverter o drama do atolamento em dívidas e a perspectiva de falência, a concordata é vista por empresários que já fizeram uso dela como um mal necessário e instrumento penoso de ser enfrentado. Com a concordata, é possível obter dois anos de prazo para o pagamento das dívidas, a juros de 0% a 12 %, conforme a avaliação e determinação da Justiça. O montante deve ser pago 40% no primeiro ano e o restante, no ano seguinte. Na contrapartida dessa possibilidade, entretanto, estão vários problemas.
Ao solicitar à Justiça a condição de concordatária, a empresa assume a incapacidade de honrar seus compromissos financeiros perante o mercado e corre o risco imediato de falência caso o juiz a considere uma insolvente irreversível.
Constrangimento – Vencido esse risco, no entanto, aparecem outras dificuldades. A empresa que conseguiu uma avaliação positiva da Justiça começa a passar por uma série de constrangimentos e dificuldades no gerenciamento de seu negócio. Cientes da situação de concordata, fornecedores tendem a exigir da empresa o pagamento a vista para a entrega da matéria-prima, o que, muitas vezes, pode significar a interrupção das atividades produtivas da empresa.
O empresário, não raro, começa a ter restrições também como pessoa física. Os bancos, que muitas vezes já estão em busca de executar os bens dados garantias, passam a limitar as ações de pessoas físicas ligadas à empresa concordatária.
Sob a pecha de empresa “micada”, a concordatária é vista no mercado quase como um doente contagioso, do qual todos correm. “Há um preconceito muito grande daqueles que se valem desse benefício”, relata um empresário que passou pela experiência. Além disso, o processo de concordata é custoso. “Representa mais um ônus para o empresário”, destaca um advogado falencista.
Causas – Na avaliação de Marcel Solimeo, economista do Instituto de Economia Gastão Vidigal, da ASCP, 70% das causas de concordata no País estão relacionadas a mudanças abruptas da economia. “Aumento da taxa de juro, alterações expressivas no câmbio e aumento da carga tributária de determinado segmento são fatores externos que fogem do planejamento de uma empresa”, explica.
O advogado Luiz Fernando Valente de Paiva, confirma essas informações e acrescenta a abertura abrupta de mercado feita na década de 90 e, ainda, a crise mundial e a fuga de capital investidor no último ano como causas mais recentes para insolvência das empresas.
Para o advogado Murilo da Silva Freire, a má gestão também vem sendo causadora de inúmeras concordatas. “É comum chegarmos à empresa que pretende requerer uma concordata e descobrirmos que sua dívida não é de R$ 1 mil, como pensava o empresário, mas de R$ 10 mil”.
Diva Borges