Guerra poderá enfraquecer OMC e FMI
Horas depois do início da guerra no Iraque, não faltam projeções sobre as possíveis conseqüências do conflito para o Brasil. Em alguns casos, porém, as análises chegam a ser contraditórias, e mostram que há ainda muitas dúvidas sobre o que pode acontecer durante e após os combates. “É muito difícil fazer previsões. Não sabemos em que medida a produção de petróleo será afetada, nem o que pode acontecer com o fluxo de capitais externos. Pode ser que nada disso afete o Brasil, mas, dependendo do rumo dos conflitos, pode haver conseqüências mais graves para o País”, afirma Claudio Stocco Lellis, diretor executivo do Banco BNL do Brasil.
Independentemente do que ocorra nos conflitos in loco, porém, um provável desdobramento da guerra é o enfraquecimento dos organismos multilaterais, como a Organização Mundial do Comércio, OMC, e o Fundo Monetário Internacional, FMI, e o Banco Mundial.
Para a economista Stephany Grifith-Jones, professora do Institute of Development Studies, da Universidade de Sussex, na Inglaterra, a decisão dos Estados Unidos e do Reino Unido de atacar o Iraque sem o aval da Organização das Nações Unidas, ONU é “ilegal e abre um precedente” perigoso. “Isso que está acontecendo é amedrontador, pois o desrespeito à ONU sinaliza um enfraquecimento de outros organismos multilaterais, como a OMC, o FMI e o Banco Mundial”, afirmou. “E essas instituições são fundamentais para os países latino-americanos.”
Turquia – A economista vê com grande preocupação também “o possível uso político maior de organismos como o FMI para fins políticos do governo norte-americano”. Segundo ele, a recentes negociações entre o Fundo e a Turquia, país considerado miltarmente estratégico pela Casa Branca, apontam esse problema. “Organismos multilaterais não podem ser usados como instrumento de pressão pelas nações ricas”.
Na avaliação de Claudio Lellis, do BNL, entretanto, esses organismos sempre agiram de acordo com os países ricos. “Qual conflito mundial foi resolvido pela ONU?”, questiona. “A ONU é respeitada quando decide de acordo com os poderosos. Quando não, eles passam por cima mesmo. É o mesmo que acontece na OMC”, acredita. “Há anos, a Europa e os Estados Unidos mantêm altíssimos subsídios aos agricultores e fica por isso mesmo”, diz.
EUA x França – A Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento, Unctad (na sigla em inglês), aponta conseqüências mais pragmáticas para o conflito. Para o organismo, o maior problema da guerra é a deterioração das relações políticas e diplomáticas entre os Estados Unidos e a França, que condena a guerra no Iraque. Segundo o embaixador Rubens Ricupero, secretário-geral da Unctad, esse atrito prejudicará significativamente as negociações comerciais no âmbito da OMC.
No meio disso tudo, afirma Ricupero, o país mais prejudicado será o Brasil, principalmente na área agrícola, onde o governo brasileiro vem depositando suas maiores fichas para abrir, de vez, os mercados desses dois países, considerados entre os mais protecionistas do planeta.
“Temo que as relações bilaterais entre os EUA e França possam ficar ainda mais delicadas do que estão agora e, com isso, as negociações agrícolas no âmbito da OMC, que no momento já estão praticamente interrompidas, não sejam retomadas na reunião ministerial de Cancún (México), agora em setembro deste ano”, afirmou. “Isso vai atingir duramente o Brasil.”
Para o embaixador, se não houver sinais de reconciliação entre esses dois países, mesmo que a guerra EUA-Iraque tenha curta duração, as negociações comerciais multilaterais serão as mais prejudicadas. Além disso, acrescentou Ricupero, “a guerra pode trazer graves problemas para economias em desenvolvimento, como o Brasil, que vêm lutando para ajustar as suas economias às exigências do FMI”.
O embaixador lembrou que fica difícil imaginar, por exemplo, como será o encontro entre os presidentes norte-americano, George W. Bush, e francês, Jacques Chirac, durante a reunião de cúpula do G-8, marcada para junho na França, se não houver uma reconciliação até então. O embaixador disse que a reconciliação entre Bush e Chirac é de interesse dos EUA e da França, mas duvida até que ponto os dois líderes estão hoje dispostos a colaborar para atingir esse objetivo.
Giuliana Napolitano