E ninguém sabia…
Dois anos após a eclosão da crise financeira global, quando se prepara uma nova regulação do sistema bancário mundial, na esperança de pelo menos evitar uma nova erupção nos próximos dez anos, talvez seja útil lembrar alguns “fundamentos” que a produziram:
1. A adoração ideológica de um modelo de equilíbrio geral extremamente simplificador da realidade. Ele impôs, politicamente, a desmontagem do sistema de regulação financeira construído depois da crise de 1929. Usou o forte argumento (“teórico”) que a regulação estava impedindo o livre funcionamento das forças do mercado, impulsionadoras da aceleração do desenvolvimento econômico;
2. As principais inovações do sistema financeiro, destinadas a reduzir os custos de transação, melhorar a avaliação dos riscos e melhor distribuí-los, haviam aumentado a segurança e estabilidade da rede internacional que liga todos os agentes do sistema.
Essa idealização encontrou a sua mais completa expressão na crença de que os mercados financeiros funcionam muito bem, têm uma moralidade ínsita e, portanto, dispensam a regulação governamental. A realidade é que os problemas que afloraram em 2007/2008 já vinham, sorrateiramente, construindo a crise sob os olhos laxistas dos bancos centrais e da complacência das políticas fiscais dos governos.
Todos surfaram o alegre excesso de liquidez com baixas taxas de juros reais: assistiram ao fantástico aumento das alavancagens e gozaram os benefícios (antes de revelarem seu poder destrutivo) das “inovações” financeiras.
Hoje sabemos, por confissão dos próprios agentes (bancos centrais, governos, agências de auditoria externa, de ratings e profissionais das finanças) que não conheciam direito as complexas consequências daquelas faustianas “inovações”.
Não é exagero dizer que nem seus próprios criadores nem os mais sofisticados especuladores profissionais as conheciam – o que nunca os impediu de tentar enganar-se mutuamente. Basta ver as disputas judiciais que se desenvolvem nos Estados Unidos e na Austrália: os canibais do mercado tentando reaver seus prejuízos, fingindo todos ser ingênuos e honestos investidores…
Foi a sistemática quebra da regulação, sob as vistas complacentes dos governos (nos Estados Unidos com a cumplicidade explícita das autoridades monetárias e estímulos do próprio Tesouro) que permitiu as espantosas alavancagens do sistema financeiro até a eclosão da crise.
O sistema brasileiro resistiu bem a ela porque nossa regulação é eficiente (em torno de dez vezes do patrimônio líquido). Ainda hoje, depois da crise, ela é da ordem de 20 nos EUA e de 30 na Eurolândia!
Com a regulação em andamento, esses bancos terão de fazer centenas de bilhões de dólares de captação de novo capital para ajustar-se. Exatamente por manter uma regulação eficiente é que as exigências dessa nova regulação terão impacto apenas marginal, no entanto, no sistema bancário brasileiro.