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A nova poupança

Guarulhos, 16 de maio de 2003

arteO governo poderá anunciar ainda neste semestre a criação de um novo produto de investimento que, se obtiver o sucesso esperado, vai representar uma transferência de riqueza de instituições financeiras para o setor imobiliário, o mercado de capitais e investidores que hoje estão aplicados em cadernetas de poupança e títulos de capitalização.

O produto tem o formato de um fundo de investimento e assim como a caderneta de poupança terá o lastro em financiamentos imobiliários. Mas, diferentemente da poupança, a rentabilidade do produto deve ser competitiva e ele ainda terá liquidez diária.

Por isso, este novo tipo de investimento poderá, a princípio, desagradar grandes bancos, fortes na captação de caderneta de poupança e títulos de capitalização. No entanto, se conseguir chegar ao mercado nos moldes em que foi concebido, este novo produto poderá ser um gatilho importante para mudar o fluxo de recursos de produtos como poupança e títulos de capitalização para o mercado de capitais e o setor imobiliário. E o que é ainda melhor, na visão de alguns analistas, sem abrir mão de receita para o governo, pois o novo produto não prevê incentivos fiscais. Por isso, analistas acreditam que os bancos que saírem na frente na confecção desses produtos serão mais competitivos

O fundo está sendo confeccionado nos moldes de produtos que já existem em economias desenvolvidas que financiam o setor imobiliário por meio da securitização de recebíveis (emitem papéis de renda fixa que são vendidos a investidores e assim captam os recursos necessários para financiar o mercado imobiliário).

A criação do fundo está envolvendo vários setores do governo e do mercado de capitais. Para viabilizar sua colocação no mercado, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) terá que criar uma regulamentação específica para o produto. Hoje a regulamentação existente para este tipo de investimento prevê fundos de recebíveis apenas para os chamados investidores “qualificados” com aplicação mínima acima de R$ 25 mil. A proposta do governo é tornar esse investimento acessível para investidores menores, com aplicações mínimas a partir de R$ 100.

Além disso, a aplicação terá liquidez diária, pois as cotas dos fundos de investimentos serão negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Esse mecanismo embute uma parcela de renda variável no investimento, pois o preço de negociação das cotas na Bolsa vai oscilar de acordo com a demanda de investidores para o produto. Por ter um formato de fundo de investimento e ter suas cotas negociadas em bolsa, analistas do mercado acreditam que este pode ser um instrumento eficiente para aumentar a captação desses mercados. Técnicos da Bovespa que já viram o projeto aprovaram o modelo.

Dados do Banco Central mostram que cerca de 1,5 milhão de investidores tem aplicação em caderneta de poupança acima de R$ 20 mil. Estes investidores, que não se importaram em abrir mão de ganhos sedutores nos últimos anos pagos pelo governo por meio das taxas de juros embutidas nos títulos de renda fixa federais, são o público alvo deste novo tipo de investimento.

Desde julho de 1994, quando teve início o Plano Real, o ganho acumulado de fundos de renda fixa DI, os produtos que concorrem diretamente com a poupança, apresentaram um ganho de 646,7% (taxa do CDI acumulada no período menos uma taxa de administração de 2%). No mesmo período o rendimento acumulado da caderneta de poupança foi de 301,9%. A diferença brutal de rentabilidade entre esses dois produtos foi para o caixa dos bancos. Apenas uma parcela dos recursos captados pela poupança são direcionados ao financiamento imobiliário.

Quando aplica em caderneta de poupança, o investidor corre o risco de crédito do banco. No novo produto que está sendo desenhado pelo governo o risco de crédito que ele vai correr é do projeto que será financiado. Por isso, para que exista maior segurança ao investidor o projeto prevê que o banco que for o administrador do fundo seja obrigado a comprar uma parcela de suas cotas. Dessa forma, haverá a garantia de que a viabilidade técnica do projeto foi examinada pelo banco, pois ele também estará correndo o risco do investimento.

Analistas ouvidos pelo Valor dizem que a taxa de rentabilidade do produto e a liquidez das cotas no mercado secundário são a chave para o sucesso dessa empreitada do governo.

“Trata-se de um produto que terá boa aceitação por conta do lastro imobiliário e poderá, inclusive, abrir espaço para queda nas taxas de juros”, diz uma fonte do governo.

O projeto para a criação do produto, que ainda não tem nome definido, está nas mãos do ministro da Fazenda, Antônio Palocci e deverá ser anunciado pelo próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Uma agência de publicidade já foi contratada para trabalhar na campanha de lançamento do produto.