A espinha dorsal da reforma da Previdência Social foi quebrada
O relatório final da Comissão Especial de Reforma da Previdência Social agradou a poucos e desagradou a muitos. Principalmente aqueles que, como Milton Molina, coordenador da Comissão de Seguridade e Emprego da Associação Comercial de São Paulo, ACSP, aplaudiu a coragem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ministro da Previdência, Ricardo Berzoini, de, finalmente, investir contra o grave problema da previdência brasileira.
“Como cidadão estou me sentindo muito mal”, disse Molina, também vice-presidente da Associação. De acordo com o especialista, a proposta inicial do governo, corajosa, visava atacar dois pontos cruciais: restabelecer a igualdade entre todos os brasileiros perante o sistema previdenciário, em todos os níveis (aposentados e pensionistas, os servidores que estão na ativa e os futuros servidores aposentados), e acabar com a paridade (que dá o “direito” ao servidor aposentado de ter o mesmo reajuste dos funcionários públicos da ativa). “O que faz a injustiça social são estas duas coisas”, afirma.
Esta era a espinha dorsal da proposta inicial do governo, que foi quebrada, para atender os interesses, segundo Molina, “de no máximo seis milhões de brasileiros, cuja ?farra? vem sendo financiada por outros 170 milhões, que estão no Regime Geral da Previdência Social”. De acordo com o relatório, que as lideranças do PT pretendem votar ainda nesta semana, fica garantida a integralidade (aposentadoria equivalente ao último salário percebido na ativa) e para servidores públicos e a paridade. Até aqui tudo igual.
O que muda é que os proventos dos futuros aposentados estarão limitados a R$ 2.400 e os servidores, para obterem a integralidade, terão de cumprir alguns requisitos, como idade mínima (55 anos para as mulheres e 60 para os homens), tempo de contribuição (30 anos para as mulheres e 35 para os homens), além de 20 anos de carreira pública e 10 anos no mesmo cargo, nos dois casos. Outra mudança: a proposta inicial do governo previa um limite de 70% para o pagamento das pensões dos servidores federais falecidos. Agora, vale o teto de R$ 1.058.
Para Molina, o teto de R$ 2.400 pode parecer, inicialmente, uma vantagem. Mas isso é ilusório, na medida em que para atingir esse benefício leva-se 24 anos. “Isto é só uma medida arrecadatória e demagógica, porque aumenta os privilégios de uma categoria. Quem vai pagar essa conta é a massa de trabalhadores assalariados da iniciativa privada, que esperava ser defendida por um partido como o PT”, critica o vice-presidente da ACSP.
“É muito barulho por nada. Esperava-se mais a partir do discurso do PT. Eu aplaudi a coragem de Lula e Berzoini em propor as reformas, mas não esperava esse recuo”, diz Molina. Ele lembra que a Proposta de Emenda Constitucional 20, que chegou a ser votada e aprovada em dezembro de 1998, já previa que os novos funcionários públicos seriam tratados como cidadãos comuns, para efeito da concessão de benefício previdenciário. Ficou pendente apenas de regulamentação, a partir da Lei Complementar nº 10, “mas que foi abortada pelo próprio PT”.
O que sobrou do projeto inicial da reforma foi a taxação em 11% das aposentadorias acima de R$ 1.058. E, também, o subteto para os judiciários estaduais, com limite de 75% dos maiores vencimentos no nível federal (no caso, o Supremo Tribunal Federal, STF). Esta última, por sua vez, já foi alvo de contestação e repúdio por parte de magistrados e promotores, que ameaçam entrar em greve para pressionar a mudança da regra.
Em resumo, Molina acredita que este relatório se parece com “a montanha que pariu o rato”. E que, se for aprovado como está – e o PT passou a exibir uma confiança extrema de que a nova proposta seria tranqüilamente aprovada no Congresso – vai apenas dar um refresco nas contas públicas. E não resolve o problema. “Vamos precisar de uma nova reforma daqui a 15, 20 anos, pois o custo vai ser extremamente agressivo a partir deste prazo”.
A surpresa com a mudança de posicionamento do Governo, que foi da firmeza e da coragem inicial em propor, de fato, uma reforma ideal no início, para depois ceder às pressões tão facilmente, tomou conta não só de Molina, mas de muitos analistas, especialistas, políticos e vários segmentos econômicos e sociais. O próprio presidente da Comissão Especial da Reforma da Previdência, o deputado Roberto Brant (PFL-MG), manifestou a sua decepção com as “soluções” de última hora encontradas pelo Governo e sua base aliada, dizendo, com todas as letras, que o resultado do episódio foi “melancólico”, com o governo Lula mostrando que perdeu força política, pois recuou quando encontrou resistências.
Milton Molina, por fim, crê que só uma ampla mobilização pode reverter esse quadro. “Alguma coisa precisa ser feita pela sociedade civil”, exorta. A própria Associação Comercial de São Paulo já colocou à disposição, em seu site (www.acsp.com.br), um link onde os internautas acessam o e-mail dos integrantes da Comissão Especial da Reforma da Previdência e podem participar encaminhando sugestões, críticas e também as reformas que consideram necessárias.
Marcos Menichetti