Batalha total contra o jurossauro
O vice-presidente da República, José Alencar, mudou as palavras, mas não o foco. Em palestra sobre a Retomada do Desenvolvimento dirigida a empresários, realizada nesta segunda-feira (16) na Associação Comercial de São Paulo, ACSP, Alencar não criticou a atuação do Banco Central nem a taxa básica de juros. Pelo menos não diretamente. Preferiu falar dos estragos que juros de 26,5% podem produzir ao País. “A economia brasileira corre o risco de recessão e deflação, fenômenos muito mais perigosos do que a própria inflação.
A inflação tem sido usada pelo Banco Central como a principal justificativa para a manutenção dos juros no patamar atual. Nesta terça e quarta-feira 17 e 18 de junho, o Comitê de Política Monetária, Copom, volta a se reunir para definir qual será a Selic pelos próximos 30 dias. A menos de 24 horas do início da reunião do Copom, Alencar não dá trégua quando o assunto é a retomada do crescimento do País.
“O Produto Interno Bruto fechou em queda de 0,01% no primeiro trimestre. Analistas já falam em retração maior para o segundo semestre. Vivemos um período ameaçador. Como tenho uma cultura empresarial, tenho dado conselhos, porque entendo que é melhor prevenir do que deixar acontecer o pior”, diz o vice de Luiz Inácio Lula da Silva.
O comentário de José Alencar veio após o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, ter garantido, no último final de semana durante encontro promovido pela Federação Brasileira dos Bancos, Febraban, que o risco de recessão estaria afastado.
Eco no País – Os conselhos a que o vice-presidente se referiu são as afirmações que ele vem fazendo desde maio a respeito da necessidade de o Banco Central baixar os juros. Por essas declarações Alencar foi criticado por colegas, de dentro e fora do governo. Mas ganhou força no País e entre os mais variados setores da economia. Suas críticas produziram eco em vários setores, que a partir daquele momento passaram a compartilhar com José Alencar da mesma idéia.
“Não podemos falar de juros no Brasil porque é uma liturgia”, disse Alencar. “Tenho agora de provar o tempo todo que sou aliado do Lula. Joguei fora quatro anos de senado pela janela para me aliar ao Lula. E só podemos aplaudir o trabalho que ele fez nesses cinco meses de governo. Com toda a sua limitação lingüística foi ao exterior e não precisou falar inglês para recuperar a confiança dos investidores”, disparou.
Taxa real – Antes de iniciar o discurso sobre desenvolvimento econômico, José Alencar chegou a fazer uma promessa: “Juro que não vou falar de juros”, deixando muito claro que o presidente Lula não é contrário a seus comentários. Se desta vez Alencar não pediu que o Banco Central baixasse a Selic, não pôde evitar dizer que a taxa de juros real no Brasil – taxa Selic menos a inflação acumulada em 12 meses – ainda é uma das mais altas do mundo.
“Se levarmos em conta uma inflação de 8%, teríamos uma taxa de juros reais de 18,5% ao ano. Essa taxa é 18 vezes o tamanho da americana e da adotada na Europa”, disse.
Para Alencar, a inflação hoje está sob controle, depois de ter subido quase 3% ao mês quando a equipe econômica do presidente Lula assumiu. “Não há espaço hoje para a inflação que nos ameaçou no final do ano passado. A alta de preços naquele momento foi provocada pela incerteza eleitoral”, afirmou. As tarifas públicas também foram apontadas pelo vice-presidente como grandes vilãs, já que são reajustadas por índices que muitas vezes fogem à realidade de preços.
Alencar disse que está certo de que a inflação dos próximos 12 meses estará enquadrada à meta do governo, de 8,5% ao ano. Prevê um índice inferior a esse, de 8% ao ano.
Sucesso – Os spreads também foram duramente atacados pelo vice-presidente. Alencar defendeu taxas de juros menores para o setor produtivo e citou o exemplo da agricultura, responsável pelo saldo positivo da balança comercial no ano passado.
“Foram as taxas de juros de juros de longo prazo, de 8,75% ao ano, pagas pelo setor em empréstimos, que possibilitou esse milagre”, disse Alencar.
O setor agrícola terminou o ano de 2002 com saldo positivo (exportações menos importações) de US$ 18 bilhões, enquanto a balança comercial brasileira fechou com saldo de US$ 13,1 bilhões. Isso significa que o setor agrícola teve um desempenho que acabou compensando o resultado ruim de outros setores da economia, que fecharam com déficit.
Adriana Gavaça
Um porta-voz das empresas
Vice-presidente assumiu o compromisso de levar ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao ministro da Fazenda, Antonio Palocci, proposta da Associação Comercial de São Paulo que prevê a redução do custo financeiro de empresas, sem que seja preciso mexer na atual política econômica do governo. A proposta prevê redução dos prazos de recolhimento de impostos e mostra um raio-X dramático dos vários setores.
O vice-presidente da República, José Alencar, assumiu ontem o compromisso de ser o “porta-voz” junto ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva e ao ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, de uma proposta inédita da Associação Comercial de São Paulo, ACSP, para baixar o custo financeiro de empresas, sobretudo das micro, pequenas e médias, sem que seja preciso mexer na política econômica do governo.
A proposta pede a ampliação dos prazos de recolhimento de impostos que incidem sobre a folha de pagamento das empresas do início para o meio do mês. “Com isso, sem mexer na macroeconomia, o governo poderia aliviar as empresas que têm de tomar dinheiro emprestado a juros absurdos para quitar os impostos em dia”, explicou Guilherme Afif Domingos, presidente da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo, Facesp, e da Associação Comercial, ao vice José Alencar.
No mesmo lugar – Afif ainda argumentou que os prazos foram “encolhidos” levando em conta as elevadas taxas de inflação existentes antes do Plano Real. “Mas a inflação caiu e os prazos continuaram os mesmos”, acrescentou. Ao retornar aos antigos prazos, insistiu o presidente da Facesp e da ACSP, as empresas poderiam não apenas economizar com o pagamento de juros, mas também evitar cair na inadimplência e no Refis (programa de recuperação fiscal do governo).
“Se tomar essa iniciativa, será um grande passo para reduzir o peso dos juros e o governo receberá o aplauso dos empresários”, resumiu Afif. O vice-presidente da República qualificou a proposta de “excepcional” por apresentar uma alternativa de “desafogo para as classes produtoras”. Afif acrescentou: “Sobretudo porque menos dinheiro das empresas gasto com juros vai sobrar mais para o capital de giro”.
José Alencar também levará ao presidente Lula uma mensagem da Associação Comercial de apoio ao Programa Primeiro Emprego do governo. “Por favor, diga a ele (Lula) que as Associações Comerciais estão perseguindo esse trabalho com o Programa Convivência e Aprendizado no Trabalho, que pretende, por meio da Lei do Aprendizado, dar emprego a 120 mil jovens com idade entre 14 e 18 anos no Estado de São Paulo até o final de 2003”, informou.
Menos inglês – “O governo precisa falar menos em inglês, menos de C-Bond, que pouco tem a ver com o dia-a-dia da economia real e voltar a falar a língua da economia popular da grande massa que produz no País, especialmente, da micro e pequena empresa”, disse Guilherme Afif pouco antes de se encontrar com o vice-presidente da República.
Para ele, uma redução de meio ponto porcentual da taxa Selic terá apenas um caráter simbólico, pouco refletindo no custo final do dinheiro para as empresas ou para o consumidor. “O relevante é analisar agora a enorme diferença entre a Selic e os juros pagos na ponta pelo tomador”, salientou.
Além disso, Afif pediu coerência ao governo, quando tratar do microcrédito. “Porque há uma incoerência quando se fala em crédito mais fácil e barato para as micro e pequenas empresas e a MP 107 aumenta de 3% para 4% o Cofins para as cooperativas de crédito”, exemplificou.
Debate – A palestra do vice-presidente sobre a retomada do desenvolvimento não lotou apenas as dependências da Associação Comercial de São Paulo. Pela internet, pela WebTv da Associação Comercial, chegaram dezenas de perguntas de todos os cantos da cidade e do Estado de São Paulo. O próprio presidente citou algumas cidades e resumiu a preocupação contida na maioria das questões enviadas: juros e impostos.
Os integrantes da mesa dispararam as primeiras perguntas ao vice-presidente. A primeira partiu de João Sampaio, presidente da Sociedade Rural Brasileira, que representa o setor de agronegócios, cujo desempenho e competitividade externa foi muito elogiado pelo vice-presidente. Sampaio resumiu suas preocupações em três pontos: a questão da reforma agrária, dos transgênicos e da demarcação das terras indígenas.
José Alencar disse que o debate sobre os transgênicos ainda está em aberto, mas que acredita que há espaço para todos os tipos de produtos agrícolas. Deixou em aberto a questão indígena, mas garantiu que o governo está atento e deseja e vai fazer a reforma agrária “de forma negociada e jamais pela força.”
O presidente da Associação Comercial do Paraná, Marcos Domakoski, elogiou a política de austeridade fiscal do governo, mas questionou se não haveria possibilidade de flexibilização do superávit primário, como forma de “oxigenar” a economia. Alencar foi direto ao ponto: “Apenas os juros da dívida consumiram 12,5% do PIB (R$ 44 bilhões), praticamente o dobro do superávit de 6,23% do PIB no primeiro trimestre deste ano (R$ 22 bilhões).”
Finalmente, o vice-presidente da Facesp e deputado-federal Gilberto Kassab (PFL-SP), qualificou de positiva “a aliança política entre o PL de José Alencar e o PT de Lula” para o desenvolvimento do Brasil. Defendeu a realização da reforma política e perguntou qual seria o conselho que ele, vice-presidente, daria ao presidente Lula, no dia em que o governo completasse seis meses. O vice-presidente brincou: “Se conselho fosse bom a gente vendia…”.
Alencar enfatizou que a reforma política é um compromisso do governo Lula. Antecipou que acha que, no final, deverá prevalecer as “listas fechadas” nas eleições proporcionais, como forma de valorizar os partidos, a redução do número de partidos, e a introdução do sistema distrital misto.
Em seguida, entraram no debate quatro ex-presidentes da Associação Comercial. O ex-prefeito Paulo Maluf, presidente do PPB, pediu garantias ao vice-presidente de que a Reforma Tributária não resultará, como aconteceu anteriormente, em um aumento da carga tributária. Alencar foi rápido, disse que a proposta de reforma é simplificar o sistema, assegurar que não haverá elevação da carga tributária. “Mas com as atuais amarras, dificilmente haverá redução”, resumiu.
O ex-presidente Alencar Burti, atual presidente do Sebrae-SP, apenas enviou uma mensagem de apoio à luta do vice-presidente na defesa constante da livre iniciativa dentro do governo. O presidente emérito Daniel Machado de Campos disse que o governo precisa atuar com firmeza na área de segurança. Também estavam presentes os ex-presidentes Lincoln da Cunha Pereira e Élvio Aliprandi.
Sergio Leopoldo Rodrigues