Quem paga impostos acaba sucumbindo
“Hoje, quem paga imposto no Brasil acaba sucumbindo”. A frase é do economista e ex-coordenador de Administração Tributária da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo Clóvis Panzarini, a respeito da dificuldade de as empresas arcarem com a elevada carga tributária brasileira, que bateu novo recorde no ano passado. O sexto consecutivo.
Para o economista, tão ou mais preocupante do que o alto volume de impostos é a qualidade da carga tributária brasileira. “O sistema tributário é composto por tributos de má qualidade”, diz o ex-coordenador da Fazenda. Clóvis Panzarini se refere aos tributos que incidem em forma de cascata, como PIS/Cofins, que representam quase um quarto da arrecadação total do Brasil.
De acordo com Panzarini, os tributos em cascata – assim chamados por incidirem em cada uma das etapas da fabricação e venda de um produto – oneram a produção e reduzem a competitividade do produto brasileiro no mercado.
“Se a carga tributária fosse elevada, mas aplicada igualmente sobre os produtos nacionais e os importados, a competitividade não seria tão comprometida”, diz. Mas não é isso o que acontece. A má qualidade dos impostos tem dois efeitos penosos: tira a competitividade de quem paga imposto e reduz a competitividade do produto nacional.
Panzarini compara o País a um grande condomínio, onde todos contribuem. “Acontece que estamos pagando uma taxa extra de condomínio, decorrente do superávit primário elevado por conta da irresponsabilidade fiscal de governos passados”, diz.
Para sobreviver – O tributarista Ives Gandra Martins, da Advocacia Gandra Martins, vai mais longe. “Há determinadas contravenções que são justificadas quando, por trás delas, está a necessidade de sobrevivência. Considero que a carga tributária gera esse estado de necessidade”, afirma.
Gandra Martins deixa muito claro que é totalmente contra a sonegação. Mas diz que não se pode deixar de reconhecer que hoje ela decorre principalmente dessa necessidade das empresas de sobreviver. “O artigo Guerrilha Tributária publicado na segunda-feira (12) no Diário do Comércio nada mais é do que a realidade hoje do País”, diz.
Concorrência injusta – O tributarista fala que a economia informal no Brasil sobrevive às custas da sonegação. Mas essa mesma economia informal é fundamental para o País porque gera empregos, embora traga um situação difícil para quem paga impostos. “As empresas hoje são inadimplentes e não sonegadoras”.
Na opinião do advogado Manuel Gonçalinho, enquanto a indústria brasileira se vê obrigada a arcar com todos os impostos reduzindo sua margem de ganho, os produtos importados entram no País concorrendo de forma predatória, porque chegam subsidiados.
Carlos Celso Orcesi da Costa, superintendente jurídico da Associação Comercial de São Paulo, concorda. A elevada carga tributária tem um único destino: o ombro da pequena e média empresa. “Muitas vezes essas empresas se vêm obrigadas a sonegar, porque se não pagam o fornecedor, param, e se não pagam o banco, perdem o crédito. Não há saída”. (Roseli Lopes)
Comerciantes: somos solidários
O Diário do Comércio foi às ruas ouvir lojistas sobre o manifesto do guerrilheiro tributário.
O guerrilheiro tributário não está sozinho. Apesar da solidariedade com o último herói nacional, nenhum comerciante ouvido pelo Diário do Comércio, no centro de São Paulo, quis dar a cara para bater. Muito pelo contrário. Todos fizeram questão de esconder o corporativismo.
Temendo retaliações, como o guerrilheiro, que “não pôde assinar a matéria sob pena de ter todo tipo de represália em sua pequena empresa”, gerentes e proprietários respondiam – inicialmente – que não tinham autorização para falar sobre o assunto (ou seria a questão?): sonegar ou não impostos. “Não posso dar entrevista” e “acho melhor você falar com o dono”, foram alguns dos argumentos ouvidos.
Para a funcionária de uma loja, “é errado sonegar.” O gerente, balançando a cabeça, concorda. Bloco de anotações e caneta devidamente guardados, o receio inicial rapidamente desaparece. E a conversa avança. Além de admitirem que somente sonegando é possível continuar com as portas abertas, funcionária e gerente falam abertamente sobre a questão levantada no manifesto do guerrilheiro tributário.
“Acho que a sonegação não terminaria nem com reforma tributária. De que adianta fazer reforma se o fiscal continua vindo aqui e, ao invés de multar, ele leva R$ 1 mil e promete retornar só daqui a oito meses?”, questiona o gerente. “Não precisa nem ser em dinheiro (a propina). Ele pega uma mercadoria, um presente para a mulher ou para os filhos e está tudo acertado”, completa a funcionária da loja.
Segundo o gerente, seria como mudar o sistema atual da FEBEM, mas “mantendo a chave da cadeia com o funcionário antigo. As fugas e rebeliões continuariam. É a mesma coisa com a reforma tributária. Tem de mudar tudo, começando lá de baixo.” Em outro estabelecimento – um restaurante que vende comida por quilo -, o dono é categórico. “Dependendo do tamanho do comércio, se não sonegar, não sobrevive, mesmo”, diz ele. O pequeno comerciante, como todos, pede anonimato.
Uma guerilheira – O mesmo pedido foi feito por uma leitora que entrou em contato com a redação do Diário do Comércio. Ao telefone, a pequena confeccionista paulistana, como ela própria se definiu, declarou sentir-se “a guerrilheira tributária.”
“Uso de todas as armas possíveis e legais para manter meu empreendimento aberto. Hoje, emprego quarenta pessoas, mas talvez tenha de demitir dez funcionários”, diz ela. “Chegamos a ter 120 empregados, mas o peso dos tributos não me deu outra alternativa a não ser reduzir o tamanho da empresa”, lamenta a confeccionista.