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O Brasil e o risco de ser engolido pela Alca

Guarulhos, 21 de maio de 2002

Depois de dois meses de entrevistas, o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) concluiu uma pesquisa em que identifica os setores hoje mais vulneráveis à criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). De um total de 23 áreas, nada menos do que 11 correriam o risco de ser engolidas pelo produto estrangeiro caso houvesse o fim imediato de todas as barreiras tarifárias. Entre esses setores, estão os de eletroeletrônicos, brinquedos, bens de capital, papel e celulose e têxtil ” todos grandes empregadores. Para 72% dos empresários ouvidos pelo Iedi, o Brasil ainda não tem condições de concorrer em igualdade com as importações dos países da Alca, em especial dos Estados Unidos.

Ainda pela pesquisa, a visão da grande maioria (91%) é que a formação do bloco comercial pode abrir novos mercados para as empresas brasileiras, mas 80% ressaltam que a economia do país continua pouco (70%) ou nada (10%) competitiva. Existe também unanimidade sobre as razões que levam à essa paralisia da produção nacional. O custo do capital foi eleito como fator inibidor por 100% dos empresários. Sem empréstimos a preços razoáveis, não há como financiar novos investimentos. O peso dos impostos, uma infra-estrutura deficiente e a falta de gastos maciços em pesquisa e desenvolvimento de produtos vêm logo a seguir.

A sondagem foi feita em março e abril entre os conselheiros do Iedi. Agora a entidade vai enviar ao governo e aos pré-candidatos à Presidência sugestões para o processo de negociação da Alca. A primeira reunião nesse sentido aconteceu nesta segunda-feira, em São Paulo. Em relação aos setores mais ameaçados pela Alca, a idéia é que o governo negocie um rígido cronograma para a desoneração total de impostos. Dependendo do setor, esse prazo poderia variar de menos de um ano (cervejas e siderurgia) a mais de cinco anos (bens de capital, brinquedos e produtos eletroeletrônicos). O Iedi fala também na adoção de “políticas preparatórias internas”. Aqui, a solução passa por reforma tributária, desonerando exportações, e queda de juros internos.

” A Alca não pode ser vista como um caminho inexorável. Se algumas premissas não forem atendidas, o país não deve assinar o acordo de livre comércio. Um mau acordo pode significar a perda de mercado e de empregos ” opina o empresário Ivoncy Ioschpe, presidente do Iedi.

Na avaliação dos empresários, o único setor que merece o rótulo de “muito competitivo” é o do agronegócio. Entre os competitivos, estão autopeças, cerveja e refrigerantes, cimento, cosmético, embalagens e siderurgia. Já alimentos, metalurgia, química, bens de capital e componentes eletrônicos são pouco ou não-competitivos. Determinados setores apresentam produtividade igual ou superior a de seus concorrentes no exterior, mas o custo final do produto acaba encarecendo com o peso do chamado “custo Brasil'.

” Nos últimos anos, a indústria fez um extraordinário esforço para aumentar seus ganhos. Por exemplo, fabricamos hoje com eficiência componentes eletro-mecânicos como plugues e transformadores ” afirma o gerente do Departamento Econômico da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Luiz Cezar Rochele.

Incluída entre os setores sensíveis à Alca, a indústria elétrica e eletrônica tem um crônico déficit comercial (US$ 1,3 bilhão só neste primeiro trimestre). A Abinee estima que, se nada for feito no setor, em 2010 o déficit poderá pular dos atuais US$ 8 bilhões para US$ 40 bilhões. Seriam US$ 50 bilhões em importações e só US$ 10 bilhões em vendas no exterior.

” A Alca é um processo em que se juntaria estruturas de produção muito diferentes. É preciso cuidado ao negociar isso ” diz Rochele.

Com início previsto para 2005, a Alca é a principal estratégia diplomática dos Estados Unidos para a América Latina. Mas sua viabilidade passou a ser contestada depois que o governo americano elevou as taxas de importação do aço e ampliou subsídios agrícolas. Uma recente pesquisa do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) mostrou que, para 69% dos entrevistados, o Brasil deveria deixar a Alca de lado e se voltar primeiro para as negociações multilaterais na Organização Mundial do Comércio (OMC) e para a criação de uma zona de livre comércio na América do Sul.

Aguinaldo Novo