Notícias

Justiça Restaurativa atua em Guarulhos e no bairro de Heliópolis

Guarulhos, 21 de novembro de 2007

O horário do recreio para Jefferson*, Carlos* e Paulo Henrique* era um transtorno. Sem atividades de lazer, porque o grêmio da escola (localizada em Heliópolis) estava fechado há um ano, não paravam um só minuto. Ora empurrando um ao outro, ora chutando mochilas ou o que encontravam pela frente. Cansados dessa situação, decidiram que aquele dia seria inesquecível para todos na escola. Na noite anterior, compraram fogos de artifício e resolveram fabricar uma bomba caseira para ser detonada no pátio.

No horário combinado, explodiram o artefato. Mas não previram o trágico resultado: suas melhores amigas – Mariana*, Cláudia* e Jacqueline* –  foram atingidas pelo fogo da explosão. Mariana teve parte do braço queimada. A história poderia ter um final triste, mas graças ao Projeto Justiça e Cidadania, na qual a escola em que os meninos estudam está integrada, as vítimas foram encaminhadas a um círculo restaurativo.

Durante a sessão, os idealizadores do artefato (Jefferson, Carlos e Paulo Henrique) participaram com as receptoras (no caso, as vítimas) do círculo restaurativo. No acordo estabelecido, decidiu-se que visitariam o Corpo de Bombeiros (unidade Ipiranga) e conheceriam de perto o dia-a-dia da corporação e quais as conseqüências do ato que praticaram.

Da experiência adquirida, os garotos resolveram escrever e editar um jornal para falar sobre o incidente e como suas vidas mudaram a partir do círculo. A escola também cumpriu sua parte no acordo. Está abrindo as portas do grêmio para a garotada. “Resolvi que minha vocação é ser bombeiro. Para isso, estou preparando-me para entrar na corporação”, disse Jefferson satisfeito.Educação e cidadania – O Projeto de Justiça Restaurativa no Estado de São Paulo começou em julho de 2006 no município de São Caetano do Sul, no bairro de Nova Gerty. A experiência bem-sucedida chegou, agora, ao bairro de Heliópolis, comunidade vizinha. No mês de outubro do ano passado, começou a capacitação dos facilitadores, professores e das oito escolas participantes.

No caso de Heliópolis, a Diretoria Centro-Sul é parceira da iniciativa. “Nossas oito escolas abrigam 13.750 alunos e muitos cursam o ensino médio. Os problemas são os mais variados: desde brigas entre colegas a estouro de bomba. O Projeto de Justiça Restaurativa é um veículo importante para aperfeiçoar as relações entre as pessoas. A comunidade tem ajudado bastante e acredita no processo. Precisamos preparar nossos alunos para enfrentar o mundo e a trabalhar suas emoções e a aceitar melhor as diferenças”, explicou Maria Isabel Faria, dirigente de Ensino da Diretoria Centro-Sul.

A idéia da justiça restaurativa é que as escolas, a comunidade e o Conselho Tutelar criem espaço para a resolução de conflitos, em princípio pelo círculo restaurativo, em casos de delitos e atos infracionais de menor potencial ofensivo. Calúnia, injúria, desacato, dano patrimonial e lesão leve, quando os participantes não têm antecedentes. Para aperfeiçoar a qualidade do atendimento foi formada uma rede de apoio: diretoria de ensino, conselho tutelar e fórum.

Guarulhos: carência e miséria –
A localização geográfica de Guarulhos, vinculada com São Paulo, condicionou o seu desenvolvimento ao da capital. O município tem grandes contingentes populacionais vivendo em situação de carência e miséria. Dentre as famílias, 7,4% estão abaixo da linha de pobreza, sobrevivendo com renda mensal inferior a meio salário mínimo. Dados do IBGE de 1996 mostram que a população que vive em favela era de 16,4% do total. A mesma pesquisa revelou que 19,9% das mães não gostam da escola freqüentada pelos filhos. O principal motivo é a violência (67,5%).

Por esses fatores, teve início, em outubro de 2003, o Projeto de Mediação da Vara da Infância e da Juventude de Guarulhos, em parceria com a Faculdades Integradas de Guarulhos (FIG), aprovado pelo Tribunal de Justiça. Na primeira capacitação, um grupo de 20 mediadores foi formado.

“Desde a concepção, o projeto de mediação já tinha o enfoque das Práticas Restaurativas, especialmente no que se refere aos atos infracionais de natureza leve, nos quais se realizava a mediação entre vítima e ofensor”, esclareceu Daniel Issler, juiz da Vara da Infância e da Juventude de Guarulhos.

Caráter definitivo –
Passado o período experimental e constatada a eficiência do sistema implementado, o projeto foi aprovado pelo Tribunal de Justiça para funcionar em caráter definitivo, com a celebração de convênio entre o Judiciário Estadual e a instituição de ensino, ocorrida em outubro de 2006, passando o aparelhamento a denominar-se Setor de Mediação de Guarulhos.

O juiz explicou que após a parceria entre o Poder Judiciário, o Ministério Público, a ONG Amici di Bambini (AIBI) e a Associação de Assistentes e Psicólogos do Tribunal de Justiça (AASPTJ), além de outras ONGs, foi realizado, entre 2004 e 2005, um projeto que englobava as circunscrições judiciárias de Guarulhos e de Registro. O objetivo era conferir formação, capacitação e atualização no Direito da Criança e do Adolescente à Convivência Familiar.

Hoje, 11 escolas estaduais de Guarulhos participam de justiça restaurativa e há previsão para mais quatro unidades participarem do projeto. Todas têm estudante cursando o ensino médio. Os principais problemas apresentados são agressão entre alunos ou entre professores e alunos.

“A sociedade é muito violenta e geralmente esses adolescentes levam para a escola os valores aprendidos no dia-a-dia. Acham que somente com agressão podem resolver os seus problemas”, ressaltou Daniel Issler. Até agora, foram realizados 75 círculos restaurativos nas escolas do município e 43 na Vara da Infância e da Juventude, onde foi instalado espaço para círculos restaurativos.Facilitadores – As pessoas interessadas em trabalhar no projeto realizaram curso de capacitação de 80 horas. Wânia Hamade e Lígia Rodrigues são facilitadoras, funcionárias da Vara da Infância e Juventude de Guarulhos, participam do Projeto de justiça restaurativa desde o início. Agora, passam por curso de reciclagem do tema.

“É estimulante trabalhar dessa maneira. Ouvir as partes, conhecer a história que está por trás de um ato é muito importante. Muitos dos facilitadores levam para sua vida pessoal o que aprenderam durante o curso de facilitadores”, disse Wânia.

Ligia aprendeu durante os círculos restaurativos de que participou que todo autor também é vítima. “No círculo, não orientamos as partes. Elas conversam, desabafam e vivem momentos de angústia que só durante um círculo é possível verificar qual a extensão do dano exercido pelo autor. Por isso, a presença da vítima é fundamental. Muitos não gostam de participar, mas, quando vêem como funciona, fazem questão de aderir ao processo”, esclareceu.