Bancos temem novos adiamentos do SPB
Um silêncio aflito tomou conta de grande parte dos participantes do novo Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) às vésperas da estréia, marcada para o dia 22. O governo garante que não haverá mais adiamentos. E os bancos anunciaram alterações de última hora para permitir uma instalação gradual do novo sistema, ao longo dos próximos seis meses. “Lógico que está todo mundo aflito, o que é natural, pois a estréia vai acontecer dentro de pouco mais de uma semana”, afirmou na sexta-feira o diretor de Política Monetária do Banco Central (BC), Luiz Fernando Figueiredo.
O novo SPB é uma reforma monumental para os bancos, uma rede eletrônica pela qual todo o sistema bancário vai se comunicar em tempo real com o BC. Grande parte do dinheiro movimentado no sistema financeiro deixará de ser trocado por meio de documentos de papel. As transferências passarão a ser puramente eletrônicas e em tempo real, ou serão processadas no mesmo dia. Mas só pagamentos acima de R$ 5 mil terão de migrar para o novo sistema a partir de 22 de agosto.
A previsão inicial era estrear plenamente o sistema em novembro do ano passado, mas o início das operações foi adiado para 22 de abril. Na Páscoa, a 20 dias do lançamento, os bancos anunciaram que vão migrar as operações gradualmente, começando pelas transferências acima de R$ 5 milhões. E agora o BC anunciou que duas das cinco câmaras de compensação só serão testadas em maio, e portanto não começam a funcionar tão cedo (ler ao lado). O governo prevê que tudo estará funcionando em 22 de agosto, quando o BC começará a impor regras que vão encarecer os documentos de crédito acima de R$ 5 mil, a ponto de forçar sua migração para o SPB.
Mas, depois de tantas reviravoltas, há rumores de que pode ser necessário um novo adiamento do prazo de 22 de agosto. O BC prometeu uma entrevista ao Estado hoje. A Febraban disse que, por enquanto, limitará suas declarações sobre o SPB a uma entrevista à imprensa, provavelmente na quinta-feira. Nenhum dos dois maiores bancos, Itaú e Bradesco, quis dar entrevistas sobre o SPB.
Grandes empresas também evitam falar do assunto. As maiores fizeram como os bancos e começaram a investir há tempos. Mas muitas só agora estão percebendo o efeito que o SPB terá nos caixas das empresas que fazem pagamentos acima de R$ 5 mil, que serão processados no mesmo dia, e recebem dos consumidores em cheques pequenos, que continuarão com o processamento normal.
Para o consumidor comum, que normalmente faz pagamentos menores, pouca coisa vai mudar. Haverá um serviço mais barato e rápido para transferir qualquer valor entre contas, a Transferência Eletrônica Disponível (TED), um Documento de Crédito (DOC) verdadeiramente eletrônico, pelo qual o dinheiro cairá na conta do destinatário no mesmo dia, desde que seja emitido até as 16 horas. Os demais meios de pagamento e mesmo o DOC continuarão a existir, mas a TED tende a atrair parte dessas transações, por ser mais barata. O BC prevê que a TED será pelo menos 30% mais barata que o DOC, mas os bancos ainda não anunciaram suas tarifas.
Também para bolsas, corretoras e empresas que movimentam grandes valores, a mudança será enorme. Oitenta por cento do valor movimentado no sistema financeiro com documentos de crédito, incluindo cheques e DOCs, mudam de mãos por meio de transferências acima de R$ 5 mil, então é vital que não haja falhas no sistema.
As alterações abrangem os mínimos detalhes dos negócios dos bancos e demais agentes do sistema financeiro. Todos os sistemas de informática tiveram de ser adaptados à linguagem do SPB. E os funcionários, treinados para entender as implicações de transferir o trabalho para um ambiente completamente novo, tecnologicamente muito avançado. Não há um cálculo exato de quanto foi gasto pelos bancos. Circula no mercado uma previsão de cerca de R$ 700 milhões. A implantação desse novo sistema eletrônico de pagamentos foi decidida pelo Banco Central em 1999, a partir de uma recomendação do Banco para Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês), banco central dos bancos centrais, feita em 1992.
Segurança
O SPB vai tornar o sistema financeiro brasileiro mais seguro, porque o BC poderá monitorar tudo o que acontece em tempo real. Hoje em dia, como as operações demoram pelo menos um dia para processar, por uma trilha de papéis e carimbos, o BC fica no escuro, assumindo o risco de algum banco quebrar durante esse tempo. Em média, os bancos acabam ficando no vermelho com o BC em R$ 6 bilhões por dia. Normalmente, depois de um dia tudo se acerta. Mas, se um banco quebrar, ele ficará fazendo estragos pelo sistema financeiro durante um dia até o BC conseguir descobrir o que está acontecendo.
Com o SPB, as transações em tempo real serão barradas se não houver saldo nas contas dos bancos no BC, as chamadas contas-reserva. Para garantir que não vão ficar no vermelho, os bancos criaram até uma nova profissão: o piloto de reservas, que ficará monitorando as entradas e saídas do caixa, alertando para possíveis descasamentos durante o dia. O BC prevê que essa segurança maior vai até reduzir os juros que o País paga para tomar empréstimos no exterior, porque o SPB praticamente anula o risco de uma quebradeira de bancos.
Em meados de 2000, os bancos iniciaram seus projetos para o novo sistema de pagamentos. Designaram um alto funcionário da área financeira e outro da área técnica para trabalharem juntos na coordenação. Daí vieram os consultores, técnicos, financeiros, advogados, vendedores de redes, de servidores, de logística, de software, etc.
O SPB tornou o Brasil um nicho de oportunidades no mercado de tecnologia, que no mundo todo enfrenta uma maré baixa desde o estouro da bolha de investimento no setor nos EUA. Até a maior das empresas de tecnologia, a Microsoft, acolheu o SPB como uma bênção.
Priscilla Murphy e Fábio Alves