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A Justiça adormecida

Guarulhos, 07 de dezembro de 2009

Um dos maiores pensadores do século passado, Carl Gustav Jung, dizia que “quem olha para fora, sonha; quem olha para dentro, acorda.” É hora de todos se darem conta, de acordarem, para o que está acontecendo. Não é possível continuarmos tapando o sol com a peneira, acreditando que a coisa se resolve não vendo mais o sol.

Vamos aos fatos. Todos sabem que a Justiça do Trabalho é feita para proteger o trabalhador. Historicamente, é o que ela vem fazendo até os dias de hoje. A força que norteia essa justiça especializada é construída sobre a seguinte premissa: se o trabalhador é a parte mais fraca da relação Capital x trabalho, então alguém deve proteger o “desprotegido” – e esse alguém é a Justiça do Trabalho.

Esse trabalhador é considerado absolutamente “desprotegido”, chegando perto da figura  do “absolutamente incapaz”, quase  possuidor de uma deficiência mental e que se chama, para o direito, hipossuficiente. Posto isso, então, questiona-se: será que a realidade, da hipossuficiência do trabalhador, não poderia ser também considerada para a empresa? Mais ainda, será que existe, perante o Juiz do Trabalho, somente uma pessoa hipossuficiente? Indo além, será que o Juiz do Trabalho pode transformar uma empresa em uma pessoa jurídica hipossuficiente, com características iguais às do trabalhador?

Acreditamos que sim. E como isso pode acontecer? Vejam o exemplo que se segue. Juízes do Trabalho podem penhorar, por meio de seu computador, a conta de qualquer empresa que possua uma ação trabalhista. Trata-se de uma prática cada vez mais utilizada pelos magistrados para garantir que o trabalhador receba o que lhe é de direito, no caso de ação trabalhista procedente. Esse  procedimento é vulgarmente chamado de penhora on line.

Até aí tudo certo. Não se nega que a penhora de contas correntes pelo computador, principalmente das más pagadoras, são mais rápidas e eficazes. Tudo estaria certo se alguns juízes do Trabalho, diante de uma ação trabalhista,  não estivessem penhorando todas as contas da empresa de uma só vez.  Isso decorre do fato de que o juiz do trabalho, por conta do sigilo bancário, não pode vasculhar as contas das empresas para saber se  têm dinheiro depositado. A penhora on line desse tipo se chama penhora excessiva. 

Assim, com um simples clic, o empresário pode ter todas as suas contas bloqueadas. Caso deseje desbloqueá-las,  os advogados das empresas têm que correr , comunicando o problema à Secretaria da Vara do Trabalho.

Em que velocidade você, leitor, imagina que as contas são bloqueadas, e em que velocidade  são desbloqueadas? Vê-se daí o tamanho do estrago. Esse fato tem levado muitas empresas à falência. Afinal, até conseguir desbloquear as contas, já quebraram.

Com a atitude impensada de alguns magistrados trabalhistas, está havendo não só a penhora do valor que o trabalhador deveria receber, o que seria justo, mas também a penhora da própria empresa. É possível penhorar-se uma empresa? Infelizmente, hoje, sim.

Diante do que foi exposto, coloca-se a pergunta: ao penhorar todas as contas de determinada corporação, o juiz do Trabalho não a transforma  também em hipossuficiente? Não estaria a empresa nesse ato se tornando a parte economicamente mais fraca? Então, não estaríamos presenciando o princípio da hipossuficiência da própria empresa?

É certo que o juiz,  para proteger um trabalhador destrua o emprego de centenas de outros? E como fica o interesse coletivo dos empregados que não têm nada a ver com o caso, mas ficam impossibilitados de receber salário, porque a empresa onde trabalham teve todas as contas bloqueadas?

A “parte economicamente mais fraca”, nos fatos acima narrados, é uma presunção relativa, visto que empresa pode também se tornar hipossuficiente, do dia para a noite. Se o Direito do Trabalho só pensa em defender os interesses do empregado, quem olha para a companhia nesta hora? A empresa também não é constituída pelo conjunto de trabalhadores? E  o empresário também não é um trabalhador, só que de  tipo diferente, que dá emprego a outros trabalhadores?

Que atente a sociedade para o que está acontecendo. Que atentem, ainda mais,  as entidades de representação de classe empresariais. Se permanecerem quietas, então que não reclamem depois.

Outro ditado diz que a Justiça é cega. Se é cega mesmo,  então estamos perdidos, porque sequer terá a oportunidade de olhar para fora, muito menos para dentro, a fim de acordar para a realidade.

E se realmente a Justiça do Trabalho continuar cega, então oremos, porque um clic de computador pode significar um clic no coração, matando muitas empresas, tão hipossuficientes como são muitos trabalhadores.

Acorda, Justiça!

José Eduardo Pastore é advogado, especialista em Direito do Trabalho e Direito Associativo. É assessor jurídico da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (Facesp)