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Brasil vai assumir prejuízo do comércio com Argentina

Guarulhos, 26 de abril de 2002

A Câmara de Comércio Exterior (Camex) decidiu nesta quinta-feira que o Brasil deverá assumir o ônus de um déficit crescente no comércio com a Argentina, como forma de colaborar com a reconstrução da economia do país vizinho e de consolidar sua liderança do processo de integração regional.

O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Sérgio Amaral, informou que o governo enviou suas propostas sobre três temas, que tenderão a resultar em ganhos para a Argentina no intercâmbio bilateral – a revisão do acordo automotivo, a eliminação de pendências e a flexibilização do Convênio de Crédito Recíproco (CCR).

A Camex também decidiu manter a preferência às compras de trigo argentino, que entra no Brasil com isenção de tarifa. Na última terça-feira, os moinhos brasileiros haviam pedido à Camex a redução ou eliminação da Tarifa Externa Comum (TEC) para o produto, hoje de 11,5%, sob a alegação de que a paralisação dos embarques dos produtores argentinos poderia trazer uma crise de abastecimento no País.

Segundo o ministro da Agricultura, Marcus Vinícius Pratini de Moraes, os embarques já foram retomados e, portanto, não existe mais a necessidade de recorrer a outros fornecedores. “O problema com o trigo foi resolvido. Foi apenas uma manobra dos exportadores argentinos para melhorar os preços do produto”, resumiu. “Não é nossa intenção agravar problemas argentinos”, completou, referindo-se à proposta dos moinhos de redução da tarifa.

Conforme informou uma fonte do Itamaraty ao Estado, a intenção do governo será limpar as arestas acumuladas nos últimos anos entre o Brasil e seu principal sócio no bloco e avançar nas medidas de estímulo ao comércio bilateral até o início de julho, quando ocorrerá a reunião semestral dos presidentes do Mercosul.

De acordo com dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), mesmo atravessando aguda crise econômica, a Argentina contabilizou um superávit comercial de US$ 781 milhões no primeiro trimestre deste ano. O Brasil está disposto a pagar essa conta. “O Brasil vai manter seu mercado aberto para as exportações argentinas”, afirmou Amaral.

As três propostas encaminhadas pela Camex a Buenos Aires, entretanto, estão na mesa de negociações há pelo menos três meses. Seus avanços acabaram comprometidos pelos reveses da crise argentina. Segundo Amaral, um dos principais pontos dessa discussão é a reativação do CCR no comércio bilateral.

Trata-se do mecanismo que faz dos Bancos Centrais dos países latino-americanos os avalistas em última instância das operações de exportação e importação. O ministro enfatizou que seu pleno funcionamento possibilitaria uma solução para a dívida acumulada pelos importadores argentinos com os empresários brasileiros – um dos principais entraves para a retomada do comércio bilateral.

O CCR igualmente seria uma espécie de seguro para as operações futuras. Por conta disso, a Camex deu autorização prévia para o diretor da Área Externa do Banco Central, Beny Parnes, discutir o convênio em Buenos Aires. A viagem do diretor, entretanto, depende da disposição das autoridades argentinas, que ainda não deram o sinal verde.

Amaral afirmou ainda que, no próximo dia 6, deve conversar com o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Enrique Iglesias, em Washington, sobre a possibilidade de financiamento do CCR bilateral. Na área automotiva, a revisão do acordo que regula o comércio bilateral de veículos e autopeças está em fase de conclusão.

Sua finalidade será garantir um fluxo de venda de automóveis argentinos no mercado brasileiro superior aos embarques dos produtos do Brasil para a Argentina. Mas o último revés nessas conversas surgiu nesta semana, com a demissão do ministro argentino da Produção, José Ignácio de Mendigúren.

Nesta quinta-feira, Amaral preferiu não indicar os setores que devem ser favorecidos com as negociações sobre a eliminação de restrições impostas do comércio bilateral. Fontes do governo informaram ao Estado que essas discussões envolveriam possíveis acordos de preços entre produtores de carnes de frango e de suínos e uma eventual suspensão do processo investigação de dumping contra têxteis.

Um acerto em torno das vendas de frango do Brasil para a Argentina, sobretaxadas por dumping, tenderia a eliminar a queixa apresentada pelo País contra seu vizinho à Organização Mundial do Comércio (OMC).