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Bancos temem novos adiamentos do SPB

Guarulhos, 15 de abril de 2002

Um silêncio aflito tomou conta de grande parte dos participantes do novo Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) às vésperas da estréia, marcada para o dia 22. O governo garante que não haverá mais adiamentos. E os bancos anunciaram alterações de última hora para permitir uma instalação gradual do novo sistema, ao longo dos próximos seis meses. “Lógico que está todo mundo aflito, o que é natural, pois a estréia vai acontecer dentro de pouco mais de uma semana”, afirmou na sexta-feira o diretor de Política Monetária do Banco Central (BC), Luiz Fernando Figueiredo.

O novo SPB é uma reforma monumental para os bancos, uma rede eletrônica pela qual todo o sistema bancário vai se comunicar em tempo real com o BC. Grande parte do dinheiro movimentado no sistema financeiro deixará de ser trocado por meio de documentos de papel. As transferências passarão a ser puramente eletrônicas e em tempo real, ou serão processadas no mesmo dia. Mas só pagamentos acima de R$ 5 mil terão de migrar para o novo sistema a partir de 22 de agosto.

A previsão inicial era estrear plenamente o sistema em novembro do ano passado, mas o início das operações foi adiado para 22 de abril. Na Páscoa, a 20 dias do lançamento, os bancos anunciaram que vão migrar as operações gradualmente, começando pelas transferências acima de R$ 5 milhões. E agora o BC anunciou que duas das cinco câmaras de compensação só serão testadas em maio, e portanto não começam a funcionar tão cedo (ler ao lado). O governo prevê que tudo estará funcionando em 22 de agosto, quando o BC começará a impor regras que vão encarecer os documentos de crédito acima de R$ 5 mil, a ponto de forçar sua migração para o SPB.

Mas, depois de tantas reviravoltas, há rumores de que pode ser necessário um novo adiamento do prazo de 22 de agosto. O BC prometeu uma entrevista ao Estado hoje. A Febraban disse que, por enquanto, limitará suas declarações sobre o SPB a uma entrevista à imprensa, provavelmente na quinta-feira. Nenhum dos dois maiores bancos, Itaú e Bradesco, quis dar entrevistas sobre o SPB.

Grandes empresas também evitam falar do assunto. As maiores fizeram como os bancos e começaram a investir há tempos. Mas muitas só agora estão percebendo o efeito que o SPB terá nos caixas das empresas que fazem pagamentos acima de R$ 5 mil, que serão processados no mesmo dia, e recebem dos consumidores em cheques pequenos, que continuarão com o processamento normal.

Para o consumidor comum, que normalmente faz pagamentos menores, pouca coisa vai mudar. Haverá um serviço mais barato e rápido para transferir qualquer valor entre contas, a Transferência Eletrônica Disponível (TED), um Documento de Crédito (DOC) verdadeiramente eletrônico, pelo qual o dinheiro cairá na conta do destinatário no mesmo dia, desde que seja emitido até as 16 horas. Os demais meios de pagamento e mesmo o DOC continuarão a existir, mas a TED tende a atrair parte dessas transações, por ser mais barata. O BC prevê que a TED será pelo menos 30% mais barata que o DOC, mas os bancos ainda não anunciaram suas tarifas.

Também para bolsas, corretoras e empresas que movimentam grandes valores, a mudança será enorme. Oitenta por cento do valor movimentado no sistema financeiro com documentos de crédito, incluindo cheques e DOCs, mudam de mãos por meio de transferências acima de R$ 5 mil, então é vital que não haja falhas no sistema.

As alterações abrangem os mínimos detalhes dos negócios dos bancos e demais agentes do sistema financeiro. Todos os sistemas de informática tiveram de ser adaptados à linguagem do SPB. E os funcionários, treinados para entender as implicações de transferir o trabalho para um ambiente completamente novo, tecnologicamente muito avançado. Não há um cálculo exato de quanto foi gasto pelos bancos. Circula no mercado uma previsão de cerca de R$ 700 milhões. A implantação desse novo sistema eletrônico de pagamentos foi decidida pelo Banco Central em 1999, a partir de uma recomendação do Banco para Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês), banco central dos bancos centrais, feita em 1992.

Segurança

O SPB vai tornar o sistema financeiro brasileiro mais seguro, porque o BC poderá monitorar tudo o que acontece em tempo real. Hoje em dia, como as operações demoram pelo menos um dia para processar, por uma trilha de papéis e carimbos, o BC fica no escuro, assumindo o risco de algum banco quebrar durante esse tempo. Em média, os bancos acabam ficando no vermelho com o BC em R$ 6 bilhões por dia. Normalmente, depois de um dia tudo se acerta. Mas, se um banco quebrar, ele ficará fazendo estragos pelo sistema financeiro durante um dia até o BC conseguir descobrir o que está acontecendo.

Com o SPB, as transações em tempo real serão barradas se não houver saldo nas contas dos bancos no BC, as chamadas contas-reserva. Para garantir que não vão ficar no vermelho, os bancos criaram até uma nova profissão: o piloto de reservas, que ficará monitorando as entradas e saídas do caixa, alertando para possíveis descasamentos durante o dia. O BC prevê que essa segurança maior vai até reduzir os juros que o País paga para tomar empréstimos no exterior, porque o SPB praticamente anula o risco de uma quebradeira de bancos.

Em meados de 2000, os bancos iniciaram seus projetos para o novo sistema de pagamentos. Designaram um alto funcionário da área financeira e outro da área técnica para trabalharem juntos na coordenação. Daí vieram os consultores, técnicos, financeiros, advogados, vendedores de redes, de servidores, de logística, de software, etc.

O SPB tornou o Brasil um nicho de oportunidades no mercado de tecnologia, que no mundo todo enfrenta uma maré baixa desde o estouro da bolha de investimento no setor nos EUA. Até a maior das empresas de tecnologia, a Microsoft, acolheu o SPB como uma bênção.

Priscilla Murphy e Fábio Alves