Volume de dinheiro para crédito ampliou vendas
Queda dos juros, expansão da renda dos brasileiros, em especial entre os que têm menor rendimento, e aumento do número de pessoas empregadas com carteira assinada. Combinados, esses três ingredientes têm feito o comércio varejista brasileiro experimentar uma robusta evolução nas vendas, que no primeiro trimestre de 2007 cresceram 9,7% em relação ao mesmo período de 2006.
Apenas no mês de março o varejo viu seus negócios aumentarem 11,5% sobre março de 2006, segundo a Pesquisa Mensal do Comércio (PMC) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada no dia 15.
O que salta aos olhos nesse bom desempenho do comércio varejista é que, diferentemente de três anos atrás, quando varejo e indústria andavam praticamente juntos em termos de expansão, hoje, o ritmo de crescimento do varejo tem superado o da indústria, que, no primeiro trimestre de 2007 avançou 4% na média, segundo o IBGE.
Os três pontos percentuais a mais conseguidos pelo comércio em março, diante do resultado de janeiro (8,5%), e os 2,7 pontos acima do crescimento de fevereiro (9,1%) são sinais nítidos de que o varejo aperta o passo.
Bom momento – A evolução das vendas em 2007, tão vigorosa quanto a alcançada em 2004 – o melhor ano para o setor no governo Lula –, é aplaudida pelo presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), Alencar Burti. Para ele, o bom momento do comércio varejista está ligado, sim, como afirmam muitos economistas, à conjunção de fundamentos econômicos internos favoráveis. Cita a valorização do real diante do dólar, que deu maior poder de compra ao consumidor e a queda dos juros, que, embora tímida, ajudou a ampliar as vendas por meio dos financiamentos, na medida em que barateou o crédito. Também menciona o crescimento da China, que inundou o comércio mundial com seus produtos de valor competitivo.
Essa projeção do varejo é igualmente reconhecida pelo economista da RC Consultores, especializada em economia, Fábio Silveira. Ele lembra que o aumento das vendas não se deu apenas no segmento de bens não-duráveis, caso dos alimentos, onde os negócios são puxados pelo crescimento da massa salarial do consumidor, uma vez que o pagamento desses produtos é à vista.
De fato, olhando para o balanço da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros) divulgado em janeiro, referente aos negócios de 2006, é possível perceber que os brasileiros também estão comprando mais geladeiras, lavadoras, fogões e outros bens de maior vida útil, cujas vendas subiram 17,89% nos 12 meses do ano passado, de acordo com a Eletros; e, segundo o IBGE, 20,5% só nos três primeiros meses de 2007.
Impulso – As vendas dos bens duráveis, de maior valor agregado, como móveis, veículos e eletrônicos, e que exigem muitas vezes que o consumidor recorra a financiamento para comprá-los, têm forte influência no resultado do setor varejista. De acordo com a pesquisa mensal do IBGE, houve uma alta, em março, de pouco mais de 18% na venda desses produtos em relação a março de 2006. A explicação para o peso dos bens duráveis sobre as vendas do varejo pode ser encontrada no Banco Central: a partir de setembro de 2005 o Comitê de Política Monetária (Copom), vinculado ao banco, passou a reduzir os juros da economia, que servem de base para o cálculo das demais taxas usadas em operações financeiras – como as do crédito, que ficaram menores, tornando-se convidativas para brasileiros das classes C e D , que passaram a integrar o clube dos consumidores.
Uma mostra da maior participação dos brasileiros de poder aquisitivo mais achatado nas vendas do varejo está na mesma pesquisa do IBGE: na região Nordeste, por exemplo, onde o rendimento médio chega a ser até três vezes inferior ao da região Sudeste, foram detectadas as maiores variações nas vendas no mês de março. Em Alagoas, subiram 29%; no Ceará, 21,1%; no Maranhão, 18%. No Sudeste, São Paulo e Rio de Janeiro, dois fortes centros comerciais, tiveram variações de 13,9% e 6,9%, respectivamente. Todos comparados a março de 2006.
Na visão do economista do Programa de Administração de Varejo (Provar) Cláudio Felisoni de Angelo, o resultado acima é efeito do grande volume de dinheiro disponível para financiamento, que em 2006 bateu na casa de R$ 700 bilhões, segundo dados do Banco Central (BC), quase 21% mais do que em 2006. Houve, aqui, forte impulso do crédito consignado (com desconto em folha), que tem juros menores.
Incremento – Sozinho, contudo, o maior volume de crédito disponível não movimenta o varejo. O setor também vem sendo beneficiado pelo aumento da massa real de rendimentos, que subiu 4,6%, em 2006, e pela alta de 2,3% do nível de pessoal ocupado, chama a atenção Silveira, da RC Consultores. Na semana passada, o ministro do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi, anunciou a criação de 701.619 empregos formais em 2007, até abril. O que amplia a expectativa do varejo quanto às vendas para o ano. A Eletros, por exemplo, espera vender 16 milhões de produtos apenas da linha branca até dezembro.
A manutenção dos bons resultados do varejo além de 2007 é quase um consenso quando se analisam os indicadores econômicos internos. Afinal, diz o economista da ACSP, Emílio Alfieri, a diferença entre o bom momento vivido pelo comércio hoje e o de 2004, que não conseguiu se sustentar com a mesma força em 2005, é que naquela época o dólar estava bem valorizado e o nível de reservas brasileiras era menor. Hoje, diz Alfieri, o real é que está valorizado diante do dólar, e os US$ 122 bilhões de reservas brasileiras são suficientes para liqüidar a dívida pública externa.
Números da ACSP, com base nas consultas ao Serviço Central de Proteção ao Crédito (SCPC) e ao UseCheque para estimar o desempenho do comércio, apontam um crescimento de 5% para o varejo em 2007, considerando-se a mesma base de dados. Mais apostas positivas: nos cálculos da RC Consultores, a massa real de rendimentos crescerá 4,8% em 2007; e o nível de pessoal ocupado, 3%, sustentado pelo pessoal com carteira assinada.
A perspectiva do economista Otavio Aidar, da Rosenberg & Associados, para o varejo também é boa: “O acréscimo na renda do brasileiro deve se manter. E se tem um setor que deve ser beneficiado será o varejo, já que a parcela mais pobre da população, na qual a variação salarial foi perceptível, costuma destinar a sobra do salário para o consumo”, diz.
Novo negócio – Foi mirando nesse público que o varejo passou a olhar o crédito como negócio nos últimos três anos. Surgiram as parcerias com bancos para a venda de produtos financeiros. Banco e varejo falam hoje quase a mesma língua quando o assunto é o aumento dos negócios. Outro estímulo ao consumo veio dos cartões private label, conhecidos no Brasil como cartões de lojas. Simples e baratos, dão ao consumidor crédito fácil e sem burocracia. E o varejo ganha fidelidade. O tiro foi certeiro: os private labels lideram hoje o mercado de cartões, segundo o Ibope Inteligência.
Bons fundamentos econômicos, novo modelo de negócio, crédito abundante, renda do brasileiro em alta. O sucesso do varejo é tudo isso. Mas não é só isso, na visão de quem está enfronhado no comércio. Alencar Burti, da Associação Comercial, fala que o resultado de hoje é fruto dos investimentos feitos pelo setor ontem. Diz que o comércio deve ter um olho no futuro porque a sustentabilidade deste bom momento vai depender do próprio varejo, do quanto ele investir em qualidade, em inovação e, principalmente, em logística, porque tudo é custo. Em outras palavras, é preciso se preparar para competir, ser forte.
Sugere, portanto, que é preciso substituir a euforia pela cautela, na medida em que os mesmos fatores que hoje beneficiam o varejo prejudicam a indústria, sua parceira nos negócios. “A indústria está sob ameaça com os altos juros e a invasão de produtos importados”, diz Burti. E essa ameaça poderá atingir o comércio devido a eventual perda de emprego no setor industrial, com a inadimplência de quem hoje está se financiando. Por isso, diz, “não podemos nos deitar em berço esplêndido”.