Do volume total de cheques recebidos pela Side Walk da Rua Augusta, uma das 23 lojas da tradicional rede de roupas e calçados, 70% têm, invariavelmente, algo em comum: um carimbo aplicado embaixo da assinatura do emitente com o aviso: “bom para”. É o código para que a loja apresente o documento no banco apenas na data anotada, identificando o cheque como pré-datado.
A gerente da unidade da rede que existe há 26 anos, Suelen de Oliveira, conta que a loja tem preferência por trabalhar com cheque. Quem opta por essa forma de pagamento pode dividir a conta em até cinco vezes sem acréscimo e, em alguns casos, ainda ganhar um desconto de 5%. “Há dias em que todas as vendas feitas são no pré-datado”, diz.
Legalmente, o pré-datado não existe. A Lei nº 7.357/85, que regulamenta o uso do cheque, não faz nenhuma referência a ele. É apenas um instrumento de pagamento que funciona na base da confiança mútua entre consumidor e comércio. Mas esse acordo de cavalheiros, que move as vendas da Side Walk e de tantas outras lojas, está prestes a ser o centro de uma polêmica.
Proteção – A Câmara dos Deputados quer levar o pré-datado para dentro da lei, eliminando seu caráter informal. O objetivo seria o de proteger o consumidor da apresentação do documento antes da data combinada. A idéia ganhou corpo após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconhecer, no último dia 17, o direito do emitente do cheque a uma indenização nas situações em que a data não é respeitada.
A legalização do pré-datado já existe na Argentina e no Uruguai. No Brasil, a possibilidade de ele ter o mesmo tratamento do cheque comum divide opiniões. O economista Marcel Solimeo da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) é dos que acham que em time que está ganhando não se mexe. Diz que o cheque pré-datado funciona muito bem justamente porque não é regulado. Lembra que qualquer regulamentação vai contra algumas exigências previstas no Acordo de Basileia, do qual o Brasil é signatário. “O comércio ficará mais reticente em trabalhar com o pré-datado, o que não é bom para nenhuma das partes”, diz.
Osman Ghazzaqui, diretor da quase cinquentenária loja de tecidos Lorraine, tem outro modo de ver a questão: “O comércio não pode falhar. Quem não consegue controlar o prazo dos cheques recebidos não tem condições de controlar um negócio”. Para ele, a medida de punição ao portador do cheque será bem-vinda, vai melhorar a relação com o cliente. Na prática, no entanto, o pré-datado vai além disso. Para o varejo, ele ajuda a reduzir os custos impostos pelas administradoras dos cartões de crédito nas vendas feitas com o uso dos plásticos. Para o consumidor, é uma opção de financiamento sem juros.
Na loja de móveis Marabraz na região central da cidade, com tradição de 46 anos, os pré-datados respondem por 30% dos negócios, conta o gerente Josemir Pedro Português. O pagamento no cheque pode ser feito em até 24 vezes, sem juros. “O pré-datado é uma forma de fidelizar o cliente”, explica o gerente. “Se for regulamentado, melhor.”
Estão sob análise na Câmara pouco mais de 20 projetos que tratam do pré-datado. Todos tentam proteger os consumidores. Um deles, o de nº 2.365/07 prevê punição até mesmo para os bancos que compensarem antes do prazo.
Roberto do Carmo Silva, autônomo que trabalha com transporte escolar, é um, entre milhares (ou milhões) de brasileiros que enxergam no pré-datado a possibilidade de se financiar a custo zero. “É por isso que uso. Meus clientes também me pagam assim.”