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Tentativa de clonagem humana não funcionou

Guarulhos, 27 de novembro de 2001

Quando a Advanced Cell Technology, uma pequena empresa de biotecnologia de Massachusetts, anunciou no domingo que tinha dado os primeiros passos na produção de embriões humanos por meio de clonagem, ela não pôde relatar um sucesso duradouro. Todos os embriões que criou morreram.

Ela nem poderia alegar a utilização técnicas inovadoras. Seus métodos já foram empregados em animais. Alguns cientistas até mesmo sugeriram que o que a empresa fez nem mesmo podia ser considerado clonagem.

Mas se há um futuro para a clonagem humana, tanto para fins reprodutivos como para a criação de linhagens de células para uso no tratamento de doenças, as pessoas poderão dizer um dia que ela teve início em Worcester.

A grande quantidade de protestos provocados pelo anúncio da empresa não incomoda a Advanced Cell Technology. Seu presidente, Michael D. West, reconheceu que o desejo de ser o primeiro a reivindicar a clonagem de um embrião humano foi um dos motivos que levaram a empresa a decidir divulgar seus resultados.

Seja qual for a importância científica do anúncio de West, sua importância política foi enorme.

O presidente Bush denunciou o trabalho como imoral e houve fortes pedidos no Congresso para tornar o trabalho ilegal.

Pairando sobre a agora violenta disputa sobre se tal trabalho deve ser ou não proibido se encontra uma importante questão científica: a tentativa de clonagem humana foi um marco ou um erro esquecível? A resposta, dizem os especialistas em clonagem, é que é impossível saber. O trabalho com animais mostrou que a clonagem é como uma arte. Não há regras ou fórmulas. O sucesso, quando ocorre, pode ser imprevisível e quase inexplicável.

Pode ser que a clonagem humana seja extraordinariamente difícil e que sejam necessários anos e milhares de tentativas para que funcione. Ou pode ser que uma simples mudança no procedimento laboratorial transforme fracasso em sucesso. Esta tem sido a experiência dos cientistas que trabalham na clonagem de animais.

Mas para a Advanced Cell Technology, tais incertezas têm maior peso. A empresa está apostando que pode aperfeiçoar a clonagem humana, criando embriões não para fins reprodutivos, mas como fonte de células-tronco. As células-tronco embrionárias humanas podem, em teoria, se transformar em qualquer um dos tecidos e órgãos do corpo, e a empresa deseja fornecê-las como células substitutas para pacientes com uma ampla variedade de doenças.

A pequena empresa possui um histórico de feitos no mundo da clonagem de animais. Alguns dos principais pesquisadores de clonagem estão em sua folha de pagamento. Mas ela também tem um histórico de jogadas astutas na imprensa. Em entrevistas, West reconheceu que os cientistas da empresa de capital fechado publicaram seus resultados em uma publicação online pouco conhecida, “The Journal of Regenerative Medicine”, porque faria a publicação coincidir com artigos em duas revistas, a “Scientific American” e a “U.S. News and World Report”.

Como muitas outras pequenas empresas de biotecnologia, ela atrai os investidores com promessas, não lucros.

“Nós necessitaremos de centenas de milhões em investimentos antes de nos tornarmos lucrativos”, disse West.

Mas dizer que todas as suas tentativas falharam até agora não é o mesmo que dizer que todas as tentativas falharão.

Os cientistas da empresa, liderados por Jose Cibelli, utilizaram uma técnica padrão que envolve a retirada do material genético de um óvulo não fertilizado e a inserção em seu lugar do DNA de uma célula adulta. Na teoria, o óvulo passaria a utilizar os genes da célula adulta para direcionar seu desenvolvimento, criando um embrião que é uma cópia genética exata do doador da célula adulta.

A empresa tentou clonar dois tipos de células adultas ­células de pele e células cumulus, que são células que cercam os óvulos e contêm nutrientes. Os pesquisadores acrescentaram as células de pele a 11 óvulos; nenhum se dividiu. Eles acrescentaram células cumulus a oito óvulos; três se dividiram uma ou duas vezes, as outras nenhuma vez.

As células-tronco aparecem apenas após o embrião crescer por cerca de cinco dias e, mais importante, formar um blastocisto, uma esfera de células com uma bola de células-tronco dentro dele. Os embriões da Advanced Cell Technology que foram criados pelo processo de clonagem não chegaram nem perto deste estágio de desenvolvimento.

Ronald M. Green, um professor de Dartmouth que chefia o comitê de ética da empresa, disse que prefere nem mesmo se referir às células como embriões. Ele disse que prefere chamá-las de “óvulos divididos”.

De fato, dizem os cientistas, os óvulos podem se dividir algumas vezes sem que se possa fazer qualquer uso de seus genes, assim o fato de que alguns poucos óvulos se dividiram algumas poucas vezes não significa que a meta da experiência ­acrescentar um novo conjunto de genes funcionais a um óvulo­ tenha sido atingida. Mas fracassos de clonagem podem repentinamente se transformar em sucesso, como atestam aqueles que clonaram outras espécies.

Esta foi a experiência de Randall Prather, um especialista em clonagem da Universidade do Missouri, em anos de esforços para clonar porcos. Por inúmeras vezes ele iniciou o processo de clonagem e então as células, assim como as do estudo da Advanced Cell Technology, simplesmente morriam.

Agora, ele e outros podem clonar porcos, mas ele não sabe que mudanças em seus procedimentos laboratoriais fizeram a diferença. Tudo o que pode dizer, disse Prather, é: “Sim, agora funciona”.

A clonagem também depende da perícia do cientista, disseram os especialistas.

Tony Perry, que participou de experiências de clonagem de ratos na Universidade do Havaí, disse que um número sem fim de horas de prática foi necessário para a realização das delicadas manipulações das células microscópicas envolvidas na clonagem. Algumas pessoas desenvolvem um “tato” para o trabalho enquanto outras, independente de quanto se esforcem, nunca são boas o bastante.

“Ele exige um tipo de coordenação olho-mão” e prática constante, disse Perry, lembrando dos meses de prática, sete dias por semana, 10 horas por dia. “Se você relaxar na prática por duas semanas, você não volta para a estaca zero, mas fica um pouco enferrujado”, disse Perry.

Também há enigmáticas e imprevisíveis diferenças entre as espécies. Ryuzo Yanagimachi, que clonou ratos juntamente com Teruhiko Wakayama, disse que cerca de 2 a 3% das tentativas de clonar gado resultou no nascimento de animais vivos. A maior parte do restante morreu nos primeiros instantes de vida: apenas cerca de 20% dos embriões clonados chegaram ao estágio de blastocisto.

Com os ratos, disse Yanagimachi, cerca de 50 a 60% dos embriões clonados chegaram ao estágio de blastocisto. Só que muitos mais morreram em seguida. No final, disse ele, o percentual de sucesso na clonagem de ratos foi o mesmo obtido com gado ­ 2% a 3%.

Considerando que o trabalho de clonagem humana resultou em fracasso, algumas pessoas, como Steen Willadsen, um pioneiro da clonagem de Windermere, Flórida, perguntou por que a Advanced Cell Technology se deu ao trabalho de publicar seus resultados, orquestrando ao mesmo tempo uma blitz na mídia.

Na teoria, disse Willadsen, a publicação ofereceria a outros pesquisadores dicas sobre “o que não fazer”. Mas, ele acrescentou, o detalhe crucial que condenou a tentativa pode não ser tão óbvio, e pode até mesmo não estar presente na documentação da experiência. “Pode haver algo trivial atrapalhando o avanço deles”, disse ele.

“Tudo o que se pode dizer é que não funcionou desta vez”, disse Willadsen.

Tradução: George El Khouri Andolfato