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Taxa do aço une o mundo contra os EUA

Guarulhos, 07 de março de 2002

A decisão do presidente dos Estados Unidos George W. Bush de proteger a indústria siderúrgica americana, com sobretaxas de até 30% sobre os preços do aço importado, deixou o mundo à beira de uma guerra comercial em larga escala, anunciaram ontem líderes dos países da União Européia. Bush provocou um conflito, com sanções comerciais mútuas e cujo desfecho é imprevisível. “Esse perigo existe”, admitiu o embaixador de comércio europeu Pascal Lamy y (leia ao lado). Era o que o governo brasileiro mais temia.

Ontem, na Cidade do Panamá, antes de embarcar de volta ao Brasil, o presidente Fernando Henrique Cardoso fez uma dura crítica à opção protecionista de Bush: “É um anacronismo que se revela, a cada dia, incompatível com os valores da cooperação econômica no plano internacional”. As críticas foram crescentes, ao longo do dia.O primeiro-ministro britânico Tony Blair, até então incondicional aliado de Bush na política externa, classificou as medidas de proteção à indústria americana de aço como “inaceitáveis e más, porque afetam não somente a Grã-Bretanha como também a Comunidade Européia e outros países em todo o mundo”. Na Alemanha, o chanceler Gerhard Schröder fez coro: “Além de inaceitável, é contra o livre comércio mundial”. Na França, presidente da França Jacques Chirac foi além. “A decisão (de Bush) é séria, muito grave, e contraria as regras da Organização Mundial de Comércio”, afirmou e em seguida propôs: “Por isso mesmo, a Europa deve reagir vigorosamente e de forma unida”.

Uma guerra comercial em escala global pode significar prejuízo duplo para o Brasil. É o maior temor do governo brasileiro. Pelas contas oficiais, o país, a princípio, estaria entre os menos prejudicados pelas medidas protecionistas americanas. Primeiro porque as indústrias locais operam com os mais baixos custos de produção do planeta. Segundo, porque o sistema de cotas adotado vai possibilitar a manutenção de 87% da quantidade de aço nacional exportado aos EUA, sem incidência de sobretaxa. Assim, o Brasil teria perdas limitadas a cerca de U$ 100 milhões no primeiro ano e até US$ 400 milhões ao final dos três anos em que vigorariam as medidas protecionistas.

O “efeito dominó”, com retaliações comerciais em todos mercados globais, tem um potencial destrutivo muito mais amplo para a economia brasileira, país de moeda frágil e muito dependente do ingresso de recursos externos.

Mesmo se a guerra ficar limitada ao setor siderúrgico, as perdas podem ser múltiplas. Há aço “sobrando” no mundo. Em 2001, a produção de derivados siderúrgicos chegou a 824 milhões mas só 721 milhões foram consumidos, segundo números da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). As siderúrgicas poderiam fabricar 1 bilhão de tonelada por ano, mas têm de se adequar à demanda. A crise é inevitável. Nos Estados Unidos, pouco competitivas, 33% delas estão próximas da falência.

O diretor comercial da Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa) Renato Vallerini, admite que as restrições impostas pelos EUA ao Brasil ficaram longe do pior cenário. “Outros países foram mais prejudicados como o Japão e a União Européia”, disse. Sua maior preocupação é com os efeitos “colaterais” da decisão de Bush. “Outros mercados também vão adotar medidas restritivas para as importações de aço, o que pode levar a um paralisação do comércio internacional”, alerta Vallerini.

O secretário de assuntos comerciais do Itamaraty, José Alfredo Graça Lima, tem receio semelhante. “Não significa um período de fechamento da economia como na década de 30, mas pode haver um refluxo no sentido contrário ao do livre comércio”, afirmou. Ontem, o ministro Celso Lafer, em nota divulgada pelo Itamaraty, apontou que o episódio terá “consequências” sobre as negociações no âmbito da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). “A aplicação de medidas de salvaguarda sem a comprovação de surto de importação ou dano à indústria local fere os princípios do comércio internacional”, disse Lafer.

O Instituto Brasileiro de Siderurgia (IBS), que representa as siderúrgicas brasileiras, recebeu as medidas americanas com profundo “desagrado”. “A decisão de Washington reforça a expectativa de novas medidas de restrições no mercado internacional do aço, trazendo na esteira forte desvio do comércio”, afirma a entidade em nota divulgada à imprensa. O IBS diz que será “inevitável” o aumento da competição entre os produtores “barrados” nos Estados Unidos.