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Lei dificulta abertura de empresas

Guarulhos, 26 de fevereiro de 2003

arteAbrir uma empresa ou mantê-la em funcionamento ficará mais difícil com o novo Código Civil, dizem especialistas em direito empresarial. Em alguns casos, quem já tem seu próprio negócio precisará se adequar às novas regras. A nova lei altera significativamente o dia-a-dia das companhias de sociedade limitada, que representam em torno de 95% das empresas brasileiras.

“A insegurança jurídica e a incógnita em relação aos negócios e às relações comerciais afastam investidores e empreendedores”, diz Sérgio Coelho, advogado e professor da FGV.

O advogado refere-se a alguns artigos. Um deles, o 977, veta a sociedade entre casais em regime de comunhão total de bens ou separação obrigatória, para evitar que os patrimônios do casal e da empresa se misturem, contrariando o regime de bens. Esse seria um grande entrave para microempresas, que empregam boa parte da mão-de-obra no país e geralmente não contam com assessoria jurídica. As microempresas, aliás, devem ser as mais afetadas pelo novo Código.

O Código Civil, no entanto, prevê que os cônjuges podem alterar o regime de casamento (parágrafo 2 do artigo 1.639), desde que com aprovação de um juiz, o que vai representar mais trabalho para a Justiça, que já está assoberbada de processos.

” Isso é uma burocracia, principalmente no momento em que a Justiça está assoberbada com processos ” diz a advogada Paula Vianna.

Advogados observam que o maior problema é que novas e antigas sociedades terão de se adaptar à lei ou ficarão irregulares, entrando na categoria de incomuns (ilimitadas). Ou seja, se a empresa quebrar, para honrar compromissos, os sócios poderão ter de empenhar o patrimônio pessoal.

” Este dispositivo talvez seja o maior inibidor ao empreendedorismo. Vai na contramão do desenvolvimento. Quem vai querer se lançar na atividade empresarial com este tipo de modelo? ” questiona o advogado Ricardo Franco. Outros dois artigos que quebram a flexibilidade existente são o 1.166 e o 1.158. Com o primeiro, que aborda a proteção ao nome comercial, o registro na junta de um único estado não vale mais para todo o país. Assim, o empresário terá de buscar proteção nas juntas de cada estado. Além de burocrático, haverá um enorme custo (taxas, telefone, serviço de escritório, documentos), fora do alcance das microempresas. Já o artigo 1.158 determina que a atividade-fim da sociedade (papelaria, açougue etc.) tem de estar presente no nome comercial. Empresários que desconheçam a mudança ficarão irregulares.

O Código também derrubou a “Teoria da Aparência”, pela qual entende-se que uma pessoa que se apresenta como representante de empresa ” cartão de visita com logomarca e cargo e que pode ser acionada pelo telefone comercial ” é de fato representante da companhia.

Assim, a empresa terá de arcar com esses contratos, mesmo que discorde dos termos. Agora, vigora o artigo 1.015, que fortalece a “Teoria da Publicidade”, que exime a empresa de obrigações quando discordar ou não reconhecer negócio firmado por funcionário sem poderes para tal registrados no contrato social. Com isso, está criado um empecilho, porque a outra parte, para assinar um simples contrato, terá de se certificar de que o representante tem os poderes alegados.

” Uma das grandes virtudes do código anterior era a de valorização dos princípios liberais, dos quais o mais relevante é o que estabelece a força obrigatória dos contratos. O novo código torna incerto o que se escreve e assina, colocando em risco toda a lógica desse sistema ” diz Coelho.

O próprio Código Civil prevê, no artigo 2.031, prazo de um ano para que as empresas se adaptem às novas regras. Para o consultor do Sebrae-SP Paulo Melchor, a grande maioria das firmas terá de fazer adaptações no contrato social. A orientação do consultor é não fazer isso de imediato. “Quem abre uma nova empresa entrará direto nas novas regras. Para quem já tem firma aberta, é bom aguardar dois ou três meses para adaptar o contrato quando isso for possível.”

O conselho tem uma razão prática: o Sebrae não descarta a hipótese de, baseado nos artigos 970 e 1.179 do novo Código, propor modificações na lei que melhorem a vida do microempresário.