Hulk, verde de raiva, invade a tela dos cinemas
O inferno verde está de volta, 40 anos depois de ser apresentado ao mundo nos gibis de Stan Lee e Jack Kirby, e está pior do que nunca. Ainda bem. Hulk, o incrível, que encarna o grande desejo secreto dos homens, que é o de não ser contrariado, cresceu. Mede cinco metros de altura, corre a 160 quilômetros por hora, voa nos seus pulos e destrói tudo o que encontra pela frente quando sente raiva. É um monstro sensacional, digno de dó e aplausos, herdeiro direto da criatura engendrada pelo dr. Frankenstein – como ele, feito aos pedaços num laboratório -, e principalmente do grande King Kong, o verdadeiro rei dos macacos. O verdadeiro Verdão cresceu num filme que não é de se jogar fora e que se destaca da tralha de efeitos especiais em que boa parte do cinema-fliperama se transformou.
Ang Lee, o diretor muito apreciado de Comer, Beber, Viver e de O Tigre e o Dragão, acertou na mosca, para desagrado de seus admiradores. As críticas de que vendeu seu talento ao cinemão caça-níqueis deixaram-no verde de raiva. “Como posso ser realista mostrando samurais que voam e um brutamontes que soca tanques de guerra e os transforma em sucata?”, diz. Ele não pode, e ninguém pode. Hulk é pura história em quadrinhos. Ágil, absurda, divertida e com temperos adultos que não caberiam em papel de jornal. Entre estes, a nebulosa teia de parentesco que liga e separa pais e filhos.
Isto mesmo. Acredite se quiser, mas não há nada mais terrível no mundo do que um bom trauma infantil não resolvido. Pois o brilhante biólogo Bruce Banner (Eric Bana), cuja dupla personalidade se chama Hulk, viu aos quatro anos o pai matar a mãe e se esqueceu. O pai, também cientista de tecnologia genética, queria melhorar o ser humano e fazia experiências perigosíssimas no próprio corpo. Transmitiu seus genes ao filho, que, já adulto, esverdeia-se em fúria depois de um acidente em que é bombardeado por raios gama. O pai, David (Nick Nolte), ressurge um dia para ficar perto do seu menino. Seu meninão quer vingar o assassinato da mãe, matando o pai. Enquanto isso, sua linda namorada Betty (Jennifer Connelly) odeia o pai general (Sam Eliott), que por sua vez odeia Hulk , que ama sua filha, e por isto quer destruí-lo. Entenderam?
As referências psicanalíticas apimentam o enredo, mas o que vale, para o público, é a adrenalina da ação. É muito justa a homenagem que Ang Lee presta ao Rei dos Macacos, citando cenas dois King Kong (de 1933 e 1977), com aviõezinhos que o alvejam, na primeira, e helicópteros mísseis que tentam abatê-lo, na segunda. O velho e bom espírito da dupla personalidade, de O Médico e o Monstro e tantos outros, convive com os mitos do monstro bondoso e da bela e a fera, na atração enrustida de Fay Wray (no filme antigo) e mais escancarada de Jéssica Lange (na mais recente) pelo macaco. O rei Kong, tanto quanto o furioso Hulk, são alegorias tamanho família que mordem e excitam a sexualidade reprimida. Eles aterrorizam os homens maus, mas não as mulheres cheias de amor para dar. O macaco, apropriadamente, era mostrado nu. Hulk aparece vestido com uma grotesca cueca, pois afinal este é um filme-gibi e ainda há limites para se mostrar certas coisas.
Geraldo Mayrink