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Gente demais, vendas de menos

Cerca de 25ºC é a temperatura média do ar condicionado de um shopping, mas na madrugada de sexta-feira para sábado, a sensação térmica nos corredores era de 35ºC.

Centenas de pessoas se acotovelavam para olhar vitrines e ver as atrações preparadas por nove shoppings de São Paulo e da região metropolitana, que abriram 32 horas ininterruptas (das 10h do dia 23 às 18h do dia 24). As vendas, porém, não acompanharam a elevação dos termômetros. No shopping center Anália Franco, por exemplo, os corredores estavam lotados, mas a maioria dos freqüentadores era formada por jovens e adolescentes que só tinham ido passear e ver as atrações da madrugada, como se fosse uma balada. Comprar que é bom, nada.

Segundo a superintendente do Anália Franco, Satomi Namba, a expectativa inicial era de um público 8% maior que em 2004 ” número com certeza superado, disse ela ” e de um crescimento de 20% nas vendas se comparados às 32 horas de abertura no ano passado. Isso, entretanto, pode não ter se confirmado. Na percepção dos lojistas, nunca houve tanta gente junta no shopping. No entanto, o movimento dentro das lojas era considerado fraco por muitos.

“As pessoas até entram para ver alguma coisa, mas ninguém está comprando”, sintetizou a gerente da loja de roupas femininas Mackenna, Edna David.

Sua expectativa, afirmou, era de um crescimento de 20% em relação ao ano passado, porém até às 3h de sábado, dia 24, as vendas estavam 50% menores. Os números consolidados da operação 32 horas serão divulgados hoje, assim como os balanços das vendas de Natal da Associação Brasileira de Lojistas de Shoppings (Alshop) e da Associação Comercial de São Paulo (ACSP).

Desgaste – Na opinião da gerente da Mackenna, o desgaste dos funcionários não é compensado pelas vendas. Aliás, para sobreviver a tantas horas de trabalho, a maioria dos trabalhadores estava à base de energéticos e café. Em todas as lojas também havia colchonetes no estoque para que os vendedores se revezassem na soneca. Para Edna, o shopping poderia fazer uma ação como essa, mas deveria fechar no sábado por volta das 12h.

“Assim, o funcionário não ficaria tão cansado e ainda curtiria melhor a véspera de Natal”, concluiu.

A sensação da gerente era compartilhada por outras lojas, tanto que algumas preferiram não ir até o fim da maratona. A rede de calçados Pixolé preferiu não aderir à ação do Anália Franco e fechou à meia-noite do dia 23.

“Participamos da maratona no ano passado, mas não compensou. As vendas foram boas, cerca de 20% maiores que em um dia comum de dezembro, mas os custos foram maiores para os proprietários”, explicou o gerente, Manoel Esteves Piedade.

Segundo ele, os acordos com o sindicato dos comerciários prevêem folgas para os funcionários depois do Natal, pagamento de adicional noturno, comissões maiores e benefícios como lanche, transporte especial e hora para relaxamento, o que inviabiliza a operação.

“Se as vendas fossem recordes nesse horário tudo bem, mas não são.”

Adolescentes – Um grupo típico de freqüentadores da madrugada era formado pelos adolescentes Nayra, Luis Henrique, Gabriel, Thiago, Michel e Camila, todos com idades entre 15 e 19 anos.

“Viemos aqui para comer e paquerar mesmo. E acho que vamos embora daqui a pouco, depois de mais uma voltinha pelos corredores”, disse Gabriel, às 2h30.

Todos do grupo moram perto do shopping Anália Franco e decidiram ir até lá por não ter nada melhor para fazer.

A movimentação notada no Anália Franco era a mesma vista em outros centros de compras abertos ” Morumbi, Eldorado, Ibirapuera, ABC, Tatuapé, ABC Plaza, Internacional e Metrópole: muita gente e poucas vendas. Nesses shoppings a sensação também era de poucos presentes, como haviam previsto entidades como a Associação Comercial de São Paulo, que declarou em suas previsões que as compras deste ano seriam de valores baixos ” R$ 70 em média.

Boas compras – Uma das poucas exceções na madrugada de sábado no shopping Anália Franco eram os cunhados Luciano Farias, 32 anos, e Rosana Martins, 35, que por falta de tempo decidiram fazer as compras de Natal bem na última hora.

“Trabalhamos demais essa semana e não conseguimos vir antes para comprar”, disse Rosana.

Contrastando das imagens de pessoas sem sacolas de compras nos corredores do shopping, eles carregavam um carrinho de supermercado lotado de pacotes.

“Aqui tem quase R$ 3 mil. Ficamos incumbidos de comprar presentes para toda a família e por isso estamos levando tanta coisa”, afirmou Luciano.

O detalhe é que 90% dos presentes eram sapatos.

“Paramos na Birello (loja de calçados) e compramos um para cada tia, mãe e demais parentes. Assim, quem não gostar pode voltar e trocar, afinal, todos usam sapatos, não é?”, comentou Rosana ao explicar o motivo dos pacotes serem todos iguais no carrinho.

Óculos: sucesso – Mas, assim como houve exceções entre os consumidores que foram passear no shopping, algumas lojas também deram a sorte de não sentir o vazio de público. A loja de óculos Chilli Beans, por exemplo, ficou lotada durante toda a madrugada. Às 3h cerca de 30 pessoas se acotovelavam vendo os produtos e dançando ao som de um DJ contratado especialmente para aquela noite.

 “Eu ouvi alguns colegas reclamando, mas para nós as vendas estão incríveis, cerca de 50% maiores que na mesma data de 2004”, afirmou o gerente Thauer Cabrera.

Segundo ele, o sucesso da loja pode ser explicado pelos produtos oferecidos, que são voltados para jovens, e pela contratação do DJ.

“A galera pira ouvindo música eletrônica de graça e acaba gastando mesmo. Sorte nossa”, comemorou Cabrera, usando uma boa e velha gíria dos freqüentadores de sua loja.

De qualquer forma, a Chili Beans era uma exceção na madrugada. A esperança dos lojistas é de que o público familiar se acostume com o horário alternativo e passe a comprar também de madrugada.

“Agora não dá para voltar atrás, as 32 horas vão virar um hábito e tendem a fazer sucesso com o passar dos anos”, disse Satomi, superintendente do Anália Franco.

Resta saber se a renda e as condições macroeconômicas vão ajudar ou não os consumidores a comprar bons presentes, seja no horário que for.

 

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