Freada argentina prejudica Mercosul
A recente declaração do presidente da Argentina, Néstor Kirchner, de que seu país não abrirá o mercado de automóveis para o Brasil em 2006, conforme estava acertado, reacendeu as discussões sobre a validade do protecionismo argentino em relação a seu vizinho mais promissor. E, mais uma vez, pôs em risco não só o desenvolvimento do comércio bilateral, mas também o de todo o Mercosul. Mas a justificativa para a ameaça tão grande – a de que a indústria argentina está prejudicada pela enxurrada de produtos brasileiros – não se sustenta.
A recessão econômica que abalou a Argentina abriu uma oportunidade única aos exportadores brasileiros. Falta crédito, milhares de empresas locais fecharam as portas no auge da crise, em 2001, e as sobreviventes não conseguem atender a demanda atual, que reflete o reaquecimento do mercado doméstico. Prova disso é que a utilização da capacidade instalada da indústria local, em setores como refinarias de petróleo, metalurgia, papel e cartão está acima de 85%. A principal saída, então, é importar.
Eduardo D'Alessio, presidente da D'Alessio International Research Online, empresa de pesquisas de mercado de Buenos Aires, explica que a crise econômica ressaltou o fenômeno antiglobalização nos argentinos. “Há clara preferência por produtos fabricados por empresas argentinas, mas a boa notícia para o Brasil é que as estatísticas mostram que há simpatia pelo que é fabricado aqui”, disse ele, durante recente palestra a empresários, promovida pela São Paulo Chamber Of Commerce, da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e pela Câmara de Comércio Argentino-Brasileira.
Aceitação – Há produtos brasileiros, inclusive, que são considerados de melhor qualidade que os argentinos pela população local. É o caso de roupas esportivas, tênis, celulares, softwares, PC´s, produtos de limpeza, gasolina, fraldas, provedores de internet e cerveja. “Essas são oportunidades em potencial para empresas brasileiras interessadas em ampliar sua participação no mercado externo”, revelou o especialista portenho.
Em 2003, 60% dos argentinos declaravam-se contra a globalização, fato que ampliou a rejeição por produtos norte-americanos e asiáticos. Este ano, o percentual caiu para 52%. “Os brasileiros desfrutam de uma grande aceitação e têm mais chances de exportar para a Argentina, considerando a localização privilegiada que barateia os custos do frete”, reforçou D´Aléssio.
Hoje, além das empresas argentinas serem mais valorizadas, profissionais de mais idade e menor escolaridade ganharam a preferência nos processos de seleção de emprego, enquanto as empresas estrangeiras instaladas no país ainda preferem pessoas com menos idade e maior nível educacional. A pesquisa sobre o potencial de venda de produtos estrangeiros na Argentina procurou ir a fundo nessa reação xenofobista e descobriu que o portenho nem sempre sabe identificar as indústrias locais.
“O curioso é que, ao pesquisarmos que marcas se identificam melhor com a Argentina, das seis mais votadas (Arcor, Quilmes, La Sereníssima, Repsol YPF, SanCor e Molinos), três têm acionistas estrangeiros”, contou. No caso de alimentos, por exemplo, o Instituto D `Aléssio descobriu que a origem dos produtos não é um fator preponderante na hora da compra.
Dados econômicos – A Argentina em 2003 voltou a ser o segundo maior comprador de produtos brasileiros, adquirindo aqui US$ 4,56 bilhões, com o espetacular aumento de 94,77% em relação a 2002, enquanto suas exportações para o Brasil tiveram uma pequena redução, de 1,48%. Ainda assim, nosso principal sócio no Mercosul nos vendeu mais do que comprou, registrando um saldo comercial de US$ 112 milhões, conforme dados divulgados pelo Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior do Brasil.
Naturalmente, não foi só a indústria argentina que veio se abastecer no Brasil. Os bens de consumo brasileiros, especialmente duráveis e semiduráveis, também cruzaram a fronteira e acabaram indo fazer concorrência à produção local. A indústria têxtil, calçadista, de linha branca e marrom argentinas reclamaram e o governo do presidente Néstor Kirchner resolveu eliminar a autorização automática para importação desses produtos brasileiros. Atitude que agora se repete no setor automotivo.
Para Michel Alaby, presidente da Associação de Empresas Brasileiras para Integração ao Mercosul, (Adebim), ainda é provável que outros setores industriais argentinos também reclamem, caso do mobiliário. “Há problemas, sim, mas também há soluções capazes de atender aos interesses dos dois países. Acho que está na hora de definir uma estratégia comum para conquistar outros mercados, sob o selo made in Mercosul”, afirmou.
Após cinco anos de recessão intensa, os argentinos parecem ter reencontrado o caminho do desenvolvimento.
Tsuli Narimatsu