Entenda a polêmica sobre a Emenda 3
Projeto de lei da Super-Receita trata da instituição de pessoas jurídicas de uma só pessoa
Uma pessoa só
A legislação (artigo 170 da Constituição; artigo 50 do Código Civil; artigo 129 da Lei 11.196) autoriza a existência da chamada “empresa de uma pessoa só” O que diz a Lei 11.196 (Aprovada em nov/05, estabelece uma série de regimes especiais de tributação) Art. 129: Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no artigo 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil)
O que é isso
A “empresa de uma pessoa” é, quase sempre, uma empresa constituída por profissional liberal prestador de serviços Por quê? Por causa da qualificação desses profissionais, os empregadores acham caro pagar o salário acima da média, acrescido dos encargos trabalhistas.
Menos encargos e impostos
É cada vez maior o número de “empresas de uma pessoa só”, o que interessa: Aos empregadores – Porque pagam menos encargos trabalhistas, mantêm o nível salarial, e não jogam o trabalhador na informalidade. Aos profissionais liberais – Porque mantêm um vinculo formal com a Receita, não se submetem às altas alíquotas do IR das pessoas físicas e são tributados como pessoas jurídicas para compensar a redução dos encargos trabalhistas.
Posição do Fisco
A Receita resiste à existência da “empresa de uma pessoa só” sob três argumentos: – Livra os empregadores do pagamento dos encargos trabalhistas – Disfarça o vínculo empregatício porque os serviços contratados aos profissionais liberais não são temporários, mas regulares – O governo arrecada menos para a Previdência.
Abuso?
Além de multar as “empresas de uma pessoas só”, os fiscais costumam determinar que elas sejam desconstituídas, o que os parlamentares e muitos juristas consideram um abuso de poder Emenda 3 Ao aprovar a Lei da Super-Receita (6.272/05), o Congresso também aprovou, de carona, uma emenda à Lei nº 10.593/2002, que regulamenta o trabalho dos fiscais da Receita,
da Previdência e do Trabalho. O que diz a Emenda diz: “No exercício das atribuições da autoridade fiscal (…), a desconsideração da pessoa, ato ou negócio jurídico que implique reconhecimento de relação de trabalho, com ou sem vínculo empregatício, deverá sempre ser precedida de decisão judicial.
“Redação “tortuosa”
Para os juristas, do jeito que foi redigida a Emenda 3, os fiscais da Receita e da Previdência ficaram proibidos de “desconsiderar” as “empresas de uma pessoa só”, mas os fiscais do trabalho deixariam de poder fiscalizar, mesmo que não cometessem o abuso de desconstituir empresas Solução: projeto de lei O presidente da República sancionou Lei da Super-Receita, mas vetou a Emenda 3. Agora, a atuação dos fiscais será decidida por um projeto de lei com tramitação em urgência urgentíssima. Ele tranca a pauta se não for votado em 45 dias. Ele abrirá a possibilidade de uma pessoa poder recorrer à instância superior da Receita ou até mesmo à Justiça, quando autuada.
O ministro das Relações Institucionais, Walfrido dos Mares Guia, informou nesta terça-feira que o governo vai encaminhar ao Congresso “um adendo” ao projeto de lei que pretende substituir a chamada Emenda 3. De acordo com o ministro, o projeto pretende “melhorar o texto” encaminhado anteriormente.
Mares Guia não deu detalhes, mas admitiu que o novo projeto deve admitir, em certos casos, a contratação de profissionais que formam pessoas jurídicas para prestar serviços a outras empresas. “Entre o encaminhamento daquele substitutivo e hoje nós aprendemos um monte de coisas sobre como funciona o mundo real”, disse Mares Guia. “Tem certo tipo de funcionário que você não pode contratar simplesmente na base da CLT, para dizer ´olha, estou te dando aviso prévio para você ir embora daqui a 30 dias´ ou ele chegar e dizer ´daqui a 30 dias vou embora´”, acrescentou. ” Então, essa questão da PJ foi entendida na sua essência”.
Pesquisa de mercado
Segundo Mares Guia, o Ministério da Fazenda fez uma enorme pesquisa no mercado – entre empresas de engenharia, de serviço, de comunicação, agências de publicidade, e grandes empresas que têm diretores com salários altos, e reconhecidos no mercado, que têm mandato, não podem ir embora. “A Receita entendeu isso, o ministro Guido (mantega, da Fazenda) vai mandar um adendo ao projeto que está lá (no Congresso) para melhorar o projeto ainda mais, para poder estar do lado positivo e não do lado negativo do veto”, disse o ministro.
Greve nacional
Nesta terça-feira, o presidente da Central Única dos Trabalhadores, Artur Henrique da Silva Santos, ameaçou com a possibilidade de greve nacional se o Congresso Nacional derrubar o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Emenda 3, que impede os auditores da Receita Federal de fiscalizar as empresas que contratam trabalhadores como pessoas jurídicas. “Se houver votação do veto no Congresso, será eliminada qualquer possibilidade de negociação. Se isso acontecer, o que resta às centrais sindicais é fazer greve, mobilização nacional”, disse o presidente da CUT, depois de um encontro com Mantega.
Fora do Congresso
O governo já se comprometeu a retirar o projeto de lei que foi enviado ao Congresso em substituição à Emenda 3 para a construção de um novo projeto com empresários, trabalhadores e parlamentares. O secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, defendeu no entanto, o projeto alternativo encaminhado pelo governo – que regulamenta a chamada “norma geral antielisão” prevista no artigo 116 do Código Tributário Nacional (CTN). Essa norma, dificulta o “planejamento tributário” e amplia os poderes dos fiscais para desconsiderar atos ou negócios jurídicos.
Segundo o secretário, seria preciso que o Congresso aprovasse uma lei específica para tratar da tributação das empresas prestadoras de serviço no novo contexto do mercado de trabalho no Brasil. “Temos duas questões a serem enfrentadas: regulamentar o artigo 116 e definir um ordenamento jurídico que deixe claro qual é o prestador de serviços sujeito à legislação da pessoa física e aquele sujeito à legislação da pessoa jurídica”, disse Rachid que ontem participou da primeira audiência pública de discussão do projeto na Comissão do Trabalho da Câmara dos Deputados.
Empresas prestadoras de serviço
Segundo Rachid, tem havido “abusos” no Brasil na criação de empresas prestadoras de serviço, de caráter personalíssimo, por pessoas que buscam pagar menos imposto. Ele destacou que 98% das empresas prestadoras de serviços, como escritórios de advogados, dentistas, médicos e engenheiros, não são afetadas pelo debate em torno da Emenda 3. “Não temos sido ouvidos nesse ponto”, criticou.
A Comissão de Trabalho ouviu 10 convidados, com posições a favor e contra a emenda 3, sobre o tema. Durante a audiência, o representante da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Júlio Kühner, manifestou a “perplexidade” do setor com o veto do presidente Lula à emenda, que foi aprovada por expressiva parcela dos deputados e senadores. Segundo ele, o projeto está na direção oposta e dá ainda mais poderes aos fiscais “para dificultar a vida dos brasileiros”. Na sua avaliação, o projeto vai trazer ainda mais insegurança jurídica.
O advogado Luiz Robortella, especialista em relações de trabalho, acusou o governo de tentar fazer “ditadura fiscal” com o projeto. Do lado oposto, o deputado Roberto Santiago (PV-SP) criticou a divulgação que a mídia tem dado em torno do assunto. “Houve terrorismo pela mídia”, disse ele.
Na avaliação do deputado, a mídia tem procurado passar a idéia de que todas as empresas prestadores de serviço são afetadas pela fiscalização da Receita. “Não é possível que um caboman de empresa de TV seja PJ”, criticou. “Não podemos deixar que a emenda 3 crie uma nova relação de trabalho para todos os trabalhadores com carteira assinada”.
Críticas
O representante da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Sérgio Campinho, criticou sobretudo o projeto enviado pelo governo que regulamenta a “norma geral antielisão”. Na sua avaliação, haveria conflito de interesse na ação da Receita ao
ter o poder de desconsiderar pessoa, ato ou negócio jurídico. Como órgão interessado em aumentar a arrecadação, disse Campinho, a Receita não teria a imparcialidade necessária para fazer a avaliação, atribuição que seria do Poder Judiciário.
O ex-secretário da Receita Everardo Macie, disse que não necessidade de urgência para votação do projeto e que há outras “99 matérias mais importantes” do que está para serem analisadas pelos deputados. Ele defendeu a necessidade de o Congresso disciplinar as formas alternativas de prestação de serviços.