Empreendedores à beira da informalidade
Um olho no calendário e outro no caixa. Essa é a rotina diária à qual os empresários – ou seus contadores – são obrigados a se submeter para satisfazer as exigências do Fisco em todas as esferas. Acompanhar os prazos para entrega de guias, formulários, declarações e pagamento de impostos e taxas, sempre com a preocupação de fechar as contas no final do mês, é uma tarefa cada vez mais complicada no Brasil. Não é sem motivo que a burocracia e a alta carga tributária empurram muitas empresas para informalidade.
Levantamento da Organização King de Contabilidade, realizado a pedido da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), mostra que o empresário brasileiro está sujeito ao pagamento de 75 impostos, taxas e contribuições e o consequente preenchimento de um mar de papéis (obrigações acessórias). A burocracia é tanta, principalmente na área federal, que 70% dos cerca de 500 clientes da King – grande parte micro e pequenos empresários – têm algum pagamento pendente com o Fisco. A principal reclamação são os curtos prazos para a apuração dos impostos. Com isso, muitos não conseguem pagar os tributos nas datas previstas.
A burocracia enlouquece empresários e contadores. O ritmo de trabalho na King é um exemplo. Diariamente, seis motoboys rodam quilômetros e mais quilômetros nas ruas de São Paulo para buscar e levar documentos. Para gerenciar o vai-e-vem de papéis, a empresa foi obrigada a construir uma parede inteira de escaninhos. Os “casulos”, como são chamados internamente, têm, inclusive, um “encarregado”.
Para mapear a burocracia e a carga tributária brasileira, a King mobilizou todos os seus departamentos. Seus responsáveis esmiuçaram as principais exigências impostas pelo poder público, as reclamações de seus clientes e as barreiras enfrentadas para atendê-los. Com tantas exigências, o resultado não poderia ser outro: os empresários não conseguem se concentrar em sua atividade fim, ou seja, comprar, vender ou prestar serviços.
“A criação do Simples é a maior prova de que o sistema tributário é distorcido e caótico, não permitindo às pequenas cumprirem todas as exigências”, diz o superintendente do Instituto de Economia Gastão Vidigal da ASCP, Marcel Solimeo. “O estudo é o retrato da parafernália burocrática a que estão sujeitos os empresários, independente do tamanho do negócio que possuem ou ramo de atividade que atuam.”
Para o economista, a burocracia tem um custo alto e duplo, ou seja, atinge o bolso do contribuinte e do governo. “A sua administração requer um contingente de repartições e funcionários públicos.”
A execução de algumas das quase cem obrigações acessórias – com siglas como DIPJ, Dimob, Decred, Dacon, GIA, DES etc – é extremamente complexa, principalmente para pequenas e médias, devido ao nível e quantidade de informações prestadas. Um simples dado errado nesses documentos pode gerar multa pesada e sujar o nome das empresas.
Contribui ainda para deixar os contribuintes de miolos quentes uma legislação complexa, mutante e dúbia. Em busca de informação, eles são obrigados a enfrentar também a burocracia do poder público. De acordo com o estudo da King, o atendimento de má qualidade parece ser uma prática comum, principalmente na Receita Federal. As queixas começam pela pequena quantidade de senhas distribuídas para atendimento nas unidades do órgão na capital paulista.
As reclamações concentram-se principalmente nos serviços de baixa de débitos, redarf, baixa de empresa, entre outras. “A senha serve para uma única empresa. Com isso, somos obrigados a comparecer diariamente à Receita para resolver os problemas de todos os nossos clientes”, critica a encarregada do departamento de expediente da King, Elvira Onila de Carvalho.
Jeitinho brasileiro – O resultado de tanta burocracia é a abertura de brechas para o conhecido “jeitinho brasileiro”. “É um absurdo presenciar, na fila de atendimento das unidades da Receita, a compra e venda de lugares. Empresas e pessoas honestas acabam sendo prejudicadas pelo simples fato de não compartilharem com essa atitude ilícita”, reclama.
Na esfera federal, além de terem de enfrentar filas que começam a se formar na madrugada, o contribuinte ainda depara-se com o despreparo dos funcionários, quase sempre “desinteressados” em esclarecer as dúvidas. De acordo com a encarregada da King, em vez de explicar e apontar todos os problemas num determinado processo, os funcionários da Receita não solucionam todas as questões de uma única vez, obrigando o retorno à unidade de atendimento.
O estudo aponta como sugestão para melhorar o atendimento e reduzir, inclusive, o número de pessoas que diariamente batem às portas da Receita, a desobrigação de apresentar cópias autenticadas do contrato social e/ou alterações contratuais para deferimento do processo de CNPJ. “A Receita Federal pode perfeitamente acessar o cadastro da Jucesp, onde é possível confirmar a veracidade das informações”, diz o estudo.
Até para se defender, o contribuinte enfrenta barreiras. Nesse quesito, a queixa mais comum, de acordo com o estudo, é a demora na análise dos processos administrativos que tramitam na Procuradoria Geral da Fazenda (PGFN). O levantamento aponta que existem processos em andamento que remontam a 1993. Em alguns casos, a demora na análise implica em transtornos para os contribuintes, que ficam impedidos, por exemplo, de efetuar a baixa de empresa ou conseguir a certidão negativa de débito (CND).
Outra queixa frequente na PGFN é a inscrição aleatória de débitos na Dívida Ativa da União já justificados ou em fase de análise. A falha ocorre por um motivo muito simples: a falta de comunicação imediata entre a Receita Federal e a Procuradoria.
Sílvia Pimentel