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Desmundo é visão feminina da colonização

Guarulhos, 30 de maio de 2003

arteO fato de ser um filme de época e falado em português arcaico do século 16, Desmundo, que chega aos cinemas neste final de semana, pode assustar alguns espectadores. Mas sem motivo, já que o filme é todo legendado no idioma moderno.

Baseado no livro da romancista Ana Miranda e dirigido pelo paulista Alain Fresnot (de Ed Mort), a narrativa traça um retrato do Brasil colonial visto sob o ponto de vista feminino: no caso, o de Oribela (Simone Spoladore, de Lavoura Arcaica).

Jovem portuguesa, Oribela veio para o Brasil junto com um grupo de órfãs trazidas para cá pelo projeto da monarquia lusitana de oferecer esposas brancas aos colonos, que há tempos se miscigenavam com as índias.

Na época, essa era uma situação completamente desfavorável às mulheres, mesmo às européias. Afinal, naqueles dias elas valiam menos do que as mulas e tinham menos direito a exercer a própria vontade. Como gado, seus dentes e dotes físicos eram examinados e elas eram arrematadas como num leilão.

Muito devota, mas disposta a tentar algum tipo de escolha, Oribela rejeita com uma cusparada o primeiro e bruto pretendente (Cacá Rosset). Com Francisco (Osmar Prado), ela já é mais conivente, ainda mais que ele se comporta, em princípio, com mais civilidade.

Instalada na remota propriedade do marido com uma sogra estranha (Berta Zemel), uma cunhada deficiente e uma clara insinuação de incesto, Oribela tenta a fuga com a ajuda de um comerciante judeu, Ximeno (Caco Ciocler).

Assim, leva às últimas conseqüências a angústia de uma pessoa deslocada, que experimenta anseios que sua situação e sua época não lhe permitem atender.

A maior qualidade é que o filme não estereotipa demais a brutalidade inerente às relações entre as pessoas numa natureza selvagem e inóspita.

Oferece, porém, um retrato vivo de como devem ter sido aqueles primeiros tempos da colônia e os choques entre suas diversas populações.