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Descrédito deixa jovens à margem da política

Os números não negam: é tremenda a descrença dos jovens brasileiros nos políticos, no processo eleitoral e no quadro político-partidário. O índice de desconfiança nas legendas chega a 81%, aponta a pesquisa Juventude, Cultura e Cidadania, da Fundação Perseu Abramo. E, segundo o Dossiê MTV, 85% dos jovens não têm nenhuma intenção de participar/ingressar em partidos políticos.

Associada ao sentimento de impotência diante de um cenário onde multiplicam-se denúncias de corrupção e exemplos de impunidade, essa descrença vem se refletindo em um crescente desinteresse, por parte dos jovens de 16 e 17 anos, de fazerem uso do direito ao voto, adquirido através da Constituinte de 1988. No pleito de 1989, 50% desses adolescentes decidiram requerer o título eleitoral. Já na eleição de 1998 o documento estava nas mãos de apenas 27,5% deles.

Descrença nos políticos – “A descrença não é na política, mas naqueles que exercem a política”, diz a professora do Instituto de Psicologia da USP, Henriette Tognetti P. Morato. Para a psicóloga, o jovem vê a questão pública como perdida. “Ele chega à conclusão que deve cuidar do privado e não do público”. Quem ganha com isso são as organizações não-governamentais. “O terceiro setor acaba virando um campo real para promover a ação política”, explica.

Segundo Henriette, não são apenas os jovens que confundem políticos com politicagem. “Esta descrença no processo político é encontrada em todas as faixas etárias”. Quando o eleitor escolhe mal ou prefere se omitir isso se reflete nos políticos, que conseqüentemente não apresentam as qualidades e o comportamento que se esperaria deles. A promotora de eventos Ana Cecília Marques, de 30 anos, recusou-se a exercer um de seus mais básicos direitos de cidadão: votar. “Não fui atrás do meu titulo de eleitor, em 1990, quando tinha 16 anos”, conta.

Ana vai votar nos candidatos que o marido escolher, faz questão de não ler notícias de política, não viu o primeiro debate da TV Bandeirantes no dia 6 e vai assistir à televisão a cabo quando a propaganda eleitoral começar no próximo dia 17. “Assistir para quê?”, pergunta ela. “Para ter argumentos”, responde a psicóloga.

Na escola – “Está faltando cair a ficha no Brasil sobre a importância da política”, diz o cientista político Hermes Zanetti, diretor do Instituto Teotônio Vilela e responsável pelo projeto do voto facultativo aos 16 anos. Para ele, a juventude precisa ser motivada e o melhor lugar para isso é na escola, que “deveria ser um laboratório da democracia”.

“O engajamento da juventude é fundamental para a consolidação da democracia”. Segundo a professora da USP, “o nível de engajamento é muito alto na juventude por causa do ímpeto que o jovem tem de reforma, de mudança”. Mas esse envolvimento precisar ser direcionado para uma maior participação política.

Mudando a lei – A advogada Renata Cristina Rabelo Gomes, de 25 anos, é o melhor exemplo de como um jovem, quando quer, se envolve e acaba alterando até o processo político. Para melhor, é lógico. Quando tinha 15 anos, Renata foi ao TRE de Vitória, no Espírito Santo, tirar seu título de eleitor. Ela estava entusiasmada em votar pela primeira vez, mas voltou para casa de mãos vazias e achando que o Tribunal estivesse errado. Inconformada, no mesmo dia mandou uma carta para o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, em Brasília, perguntando por que ela não poderia votar já que teria 16 anos completos no dia da votação. Dez dias depois, para sua surpresa, o ministro Sepúlveda Pertence, presidente do TSE, ligou para ela e avisou que a regulamentação seria corrigida.

Fazer diferença – “Sempre fui muito questionadora”, diz Renata. Essa consciência política ela adquiriu em casa. “A gente sempre acreditou que uma pessoa pode fazer a diferença”. E é uma diferença nada desprezível: segundo os últimos dados do perfil do eleitorado, deste mês, os jovens de 16 anos incompletos, 16 e 17 anos na cidade soma 137.410. Ou seja, o suficiente para eleger com sobras um vereador – tendo como base um quociente médio de 125 mil votos.

No Brasil, de acordo com o perfil do eleitorado, feito pelo Tribunal Superior Eleitoral, essas duas faixas etárias atingem um total de 4.383.180 pessoas. É mais do que a população das regiões metropolitanas de Campinas e Baixada Santista juntas (3,7 milhões de moradores). Num país onde os eleitores são acusados de ter memória curta, Renata vai na contramão. Ela não esquece em quem votou e surpreende quando diz que “lá em casa ninguém vota por legenda ou fechado em partido”.

Sucesso – A participação política faz bem ao crescimento do indivíduo e deve começar cedo, em casa e na escola. A ONG Desatando os Nós, do Rio, que tem como objetivo fazer com que os cariocas voltem a gostar de política, iniciou no final de 2003 a campanha Voto Jovem, para incentivar os jovens a se inscreverem como eleitores. Foi um sucesso: milhares de garotos que participaram de reuniões e eventos tiveram a oportunidade de conhecer a importância de participar da vida política. E nada menos do que 85 mil deles, maiores de 16 anos, tiram o título de eleitor.

Kety Shapazian

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