Por mais que as agências de classificação de risco insistam em rebaixar a nota do Brasil em suas escalas de avaliação, especialistas são enfáticos ao afirmar que o país não vive uma nova crise da dívida pública, como a que ocorreu na década de 80. Nos 20 anos que separam um momento do outro, há diferenças que devem ser evocadas.
Nos anos 80, grande parte da dívida brasileira, que chegou a representar 55,8% do Produto Interno Bruto (PIB) em 1984, estava atrelada à inflação; e a taxa disparou para 1.783% ao ano em 1989. Hoje, a dívida está em torno de 56% do PIB, sendo que cerca de 45% são corrigidos pelo câmbio real (variação do dólar descontada a inflação) e o restante, pela taxa de juros, atualmente em 18,5% ao ano.
Além disso, o cenário no início da década de 80 era de pouquíssima liquidez (disponibilidade de recursos) internacional e de forte aversão a países emergentes, motivada pelo calote do México, pela explosão dos juros americanos (que chegaram a 16% ao ano, enquanto hoje estão em 1,75%) e pela crise do petróleo.
Fundamentos da economia – O economista Paulo Levy, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), lembra que na década de 80 não havia qualquer mecanismo que impedisse a trajetória de alta da inflação. Atualmente, por mais que o câmbio seja sensível às turbulências do mercado, explica, a tendência é de que o dólar reflita os reais fundamentos da economia no longo prazo.
Para o economista, assim que o câmbio voltar aos patamares normais, a dívida deixará de ser um problema iminente. Ele lembra que em setembro do ano passado, quando a moeda americana chegou ao patamar de R$ 2,80, a dívida pública brasileira alcançou 54,9% do PIB. Em dezembro, quando o dólar recuou para uma média de R$ 2,30, esta relação caiu para 53%.
– Nossa situação não está diferente de três meses atrás, exceto pela taxa de câmbio mais alta. O dólar está refletindo incertezas que, mais cedo ou mais tarde, serão invertidas. Ao rebaixar o Brasil, as agências de classificação de risco erraram porque pensaram no curto prazo – diz.
A analista Zeina Latif, do BBV Banco, destaca que havia um grande problema de liquidez internacional no início dos anos 80.
– Os Estados Unidos praticavam taxas de juros altas e acabavam atraindo todo o capital internacional. Fora isso, houve a decretação da moratória da dívida externa do México em 1982, o que secou ainda mais os recursos para a América Latina – lembra.
Crise é causada por risco político – Por mais que hoje o fantasma da iliquidez volte a rondar as economias mais frágeis – principalmente com as recentes descobertas de fraudes nos balanços de empresas americanas -, a economista diz que essa não é a preocupação principal dos mercados.
– Atualmente, o gatilho para uma crise de liquidez é político. Mesmo com uma dívida alta, apesar de decrescente, os investidores continuarão financiando o país se tiverem confiança no governo, ainda que a taxas mais altas. Mas se eles acreditam que há algum risco, aí não tem jeito. A dívida poderia ser metade do que é hoje que o nervosismo seria o mesmo – atesta.
Juliana Rangel e Ana Cristina Duarte