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Alca: um sonho cada vez mais distante

Guarulhos, 31 de maio de 2004

A julgar pelo resultado da última reunião de co-presidência do processo para a Áreas de Livre Comércio das Américas, atualmente dividida entre Brasil e Estados Unidos, realizada em Washington no dia 21 de maio, a possibilidade da Alca entrar em vigor a partir de janeiro de 2005 ficou ainda mais distante. Até então, o conselheiro Tovar da Silva Nunes, chefe da Divisão da Alca no Itamaraty, afirmava que as negociações levavam em conta esse prazo, a despeito dos problemas que os 34 países que compõem bloco enfrentam. “A única unanimidade é a data.”

Mas, se os atrasos causados por interrupções de reuniões e adiamento de acordos já poderiam dificultar as negociações, agora então, com o anúncio dos EUA que vários produtos agrícolas brasileiros correm o risco de jamais terem acesso livre ao mercado americano, o que era mais um impasse pode tornar-se um impedimento real à assinatura do acordo.

Estimativas realizadas por institutos ligados tanto ao governo quanto à iniciativa privada mostram que a Alca só valerá a pena para o Brasil, se forem negociadas outras barreiras além do fim das tarifas.

Tabu desde o início das negociações, mais uma vez a agricultura foi a causa da desavença. Segundo Nunes, a reunião em Washington pretendia, justamente, avançar nesse tema, além do comércio de serviços e propriedade intelectual. Se houvesse acordo sobre esses assuntos entre os co-presidentes, eles seriam retomados em junho, mês previsto para que a 17ª reunião do Comitê realizada em Puebla, no México, em fevereiro, fosse retomada, já que foi interrompida por falta de consenso. Agora, já não se sabe.

Mudança de planos – Os Estados Unidos tinham concordado em zerar as tarifas para acesso ao seu mercado ao longo dos anos seguintes à efetivação da Alca. A expectativa do Mercosul era que, em um prazo de dez anos, a tarifa zero fosse alcançada. Mas, com esse último revés, tudo muda.

Para os negociadores, o endurecimento pode ser reflexo dos acordos bilaterais que os EUA vêm fazendo com vários países da região, como forma de isolar o Brasil e o Mercosul. Neles, os parceiros concordam com todas as imposições para ter livre acesso ao mercado dos Estados Unidos. Mas, como são países pequenos, o impacto no setor agrícola americano será bem limitado, ao contrário do que ocorreria caso Brasil e Argentina tivessem a mesma facilidade, por exemplo.

Por seu lado, o Brasil também busca outras formas de inserção aos mercados internacionais. Além da viagem à China, na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarcou na sexta-feira, 28, diretamente em Guadalajara, no México, onde participou, durante o final de semana, da Terceira Cúpula de Chefes de Estado e de Governo da América Latina, Caribe e União Européia.

Muito além da abertura – Embora o acesso aos mercados seja o ponto chave das discussões da Alca, o professor Claudio Lucinda, do Ibmec Educacional, lembra que a concepção do acordo vai muito além. Agricultura, serviços, investimentos, solução de controvérsias, políticas de concorrência, subsídios, antidumping e medidas compensatórias, compras governamentais e direitos de propriedade intelectuais são os grupos que permeiam as discussões. Esses dois últimos, aliás, têm gerado muita resistências, especialmente por parte do Brasil, que preferiria tratar os temas no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), ao contrário dos Estados Unidos, que fazem pressão para que sejam discutidos na Alca.

Portanto, apesar do conselheiro Nunes afirmar que as co-presidências (Brasil e Estados Unidos) empenham-se para avançar nos entendimentos, buscando ganhos recíprocos, o prazo está se esgotando.

Patrícia Büll