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“Catador”, o verdadeiro sobrevivente

Guarulhos, 28 de junho de 2010

O “Catador” é um agente ambiental. “Catador” é o grande reciclador entre outras frases recorrentes, que alguns setores da nossa sociedade e uma grande parcela de nossos governantes gostam de proferir em seus discursos. Mas acredito que seja uma forma de minimizar esta dívida social que foi originada por uma total ausência do Estado na criação de políticas públicas permanentes para o enfrentamento da problemática do lixo e para a criação de processos de inclusão social digna para o cidadão.

Acredito que o “Catador” é um sobrevivente de nossa sociedade, uma sociedade que exclui o cidadão em vez de incluí-lo, esconde e maquia em vez de capacitá-lo, descarta e substitui em vez de utilizar sua experiência e conhecimento, transfere a culpa e a responsabilidade em vez de tutelá-lo, elogia e glorifica em vez de recompensá-lo, diagnostica e prescreve soluções sem ao menos ele ter o direito de ter tido uma consulta. Enfim, situações que observamos ocorrendo com a maioria dos cidadãos e de uma forma mais acentuada com o “Catador”.

Este cenário é de fácil constatação quando conseguimos nos preocupar menos com nossas mazelas e olhamos mais atentamente para este nosso semelhante. Debaixo de sol e chuva, subindo ou descendo enormes ladeiras com seus carrinhos de mão, ora rústicos ora mais equipados mas nunca deixando de ser um instrumento inadequado que o submete ao esforço cruel e desumano que é constatado na fisionomia destes sobreviventes. Homens e mulheres que pelo tempo que é implacável  deixa marcas profundas do esforço e sacrifício, sem esquecer de mencionar o contingente enorme de crianças que também fazem esta tarefa árdua para conseguir levar o sustento para suas casas. Eles recolhem os materiais recicláveis que tem maior valor e fácil comercialização, pois eles não têm a função e muito menos a obrigação da limpeza pública. Isso é o que eles fazem para sobreviver, sem estar adequadamente aparelhados  e nem remunerados pelo Estado por uma função que é de sua responsabilidade.

A sociedade e todos os seus atores têm que caminhar para um processo de valorização e principalmente de inserção digna do “Catador” na cadeia produtiva formal do lixo com a criação de uma legislação que possibilite sua entrada no mercado de trabalho e lhe proporcione o direto real de escolha, pela rua e o carrinho, pela cooperativa e  o desejo de participar do próprio negócio ou pelo emprego formal da carteira registrada e todos seus direitos trabalhistas, a fim  de minimizar este grande passivo social que está sendo gerado há vários anos e que recairá sobre todos nós.

Tenho certeza que ninguém tem todas as respostas e soluções para nossos gargalos, sejam eles sociais, econômicos ou ambientais, mas tenho plena convicção de que a nossa sociedade não pode e nem deve cair no conformismo, na inércia e no processo de apatia perante as grandes questões por mais complexas que sejam, como por exemplo é a questão do lixo e sua relação com o catador. Esta relação pode ser mudada a favor deste ser humano, de forma a garantir um aumento da sua qualidade de vida e uma atuação menos sofrida nesta cadeia produtiva do lixo colocando-o em um outro cenário no processo, tendo em vista que hoje constatamos que o problema do lixo nos grandes centros não é somente o de sensibilização e educação da sociedade para a prática da coleta seletiva e a sua eventual estrutura de coleta, mas também com importância igual ou até maior para a elaboração de políticas públicas e de infraestrutura para suportar a separação de todo este material coletado e que garanta seu reaproveitamento no  processo de reciclagem e, consequentemente, retorne para a cadeia produtiva de uma forma competitiva, assim garantindo realmente que este material coletado não seja devolvido ao meio ambiente ou encaminhado para os aterros sanitários junto com o lixo comum, como já ocorre nos grandes centros do nosso país, por falta de legislação e equipamentos eficazes.                                                          

William Cotrim Paneque
Diretor fundador do Instituto Recicla Cidadão

Diretor de Meio Ambiente da ACE