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Mais respeito com este consumidor, o deficiente

Guarulhos, 29 de junho de 2006

Sair de casa para fazer compras pode se tornar uma tarefa fácil e prazerosa para uns, um tormento para outros. Pessoas que sofrem de algum tipo de deficiência (motora, visual ou auditiva) ou possuem dificuldade de locomoção (como idosos e obesos, por exemplo) – que somam hoje três milhões de habitantes somente na cidade de São Paulo – são as mais prejudicadas quando o quesito é acessibilidade a lugares públicos e comerciais. Para a secretária Mara Gabrilli, da Secretaria Especial da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida, da Prefeitura de São Paulo, essas pessoas formam um nicho diferenciado no mercado, com alta capacidade e poder aquisitivo para consumir: “Enquanto os lojistas de rua não perceberem isso, os deficientes ficarão restritos a fazer compras em shoppings, onde há melhores condições de acessibilidade”.

Diário do ComércioAs ações para promover a conscientização entre os comerciantes da importância da adequação de seus estabelecimentos às normas de acessibilidade estão vindo de todos os lados. A Secretaria, com apoio do Conselho de Ruas Comerciais da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio), está promovendo uma série de mutirões. “Fizemos um na rua João Cachoeira, no Itaim, onde as calçadas já são acessíveis. Fomos conversar de loja em loja. Algumas se adequaram, como a Alô Bebê, por exemplo, que colocou uma rampa de acesso onde havia somente um degrau; outras ainda não”, informa Mara.

Nem todos os comerciantes entraram no clima. Mara conta que algumas grandes redes localizadas na João Cachoeira, que têm condições financeiras de efetuar as adequações necessárias, nada fizeram até agora. “Acho que eles não nos levaram a sério”, diz a secretária, que testou pessoalmente as calçadas da via: “Como não me mexo do pescoço para baixo, dependendo da calçada, alguém tem de me segurar para estabilizar meu tronco. Isso não foi preciso na João Cachoeira. Por lá, só falta colocar, em alguns lugares o piso podotátil (para alertar deficientes visuais) e, nos totens de orientação, o mapa tátil”, complementa a secretária.

A iniciativa não ficará nisso. O objetivo é estender a visita às 18 ruas que compõe o Conselho do Fecomercio: “A próxima será a Mateo Bei, em São Mateus. Já fomos procurados também pelos representantes dos lojistas das ruas Oscar Freire, Oriente e Augusta”. De acordo com Mara, para adequar o estabelecimento comercial ao público que possui limitações é necessário disponibilizar, além da rampa de acesso, uma porta de entrada mais larga, um mobiliário específico e caixas mais baixos, por exemplo. “Não vamos exigir tudo isso de um pequeno lojista, que tem pouco capital para investir. Exigimos o básico”.

Para o presidente do Sindicato dos Lojistas do Comércio de São Paulo, Ruy Pedro de Moraes Nazarian, “a turma está começando a se conscientizar e a fazer as modificações nos estabelecimentos. Sempre recomendamos aos lojistas que façam rampas, adaptem os banheiros e implantem etiquetas em braille”.

Adequação plena

Para a arquiteta e diretora-presidente do Instituto Brasil Acessível, Sandra Perito, o primeiro passo para promover o direito a esse tipo de consumidor de circular independentemente é oferecer acesso urbano, com calçadas padronizadas, rampas e transporte: “Mas da calçada para dentro da loja ainda há muito que fazer. Os estabelecimentos também precisam se adequar a todo e qualquer tipo de limitação. É necessário dar as condições necessárias plenas e de modo igualitário para que os consumidores possam circular independentemente. Uma rampa de acesso no fundo da loja não resolve o problema, só traz mais desconforto e segregação”.

Fator importante, segundo explica a arquiteta, é neutralizar obstáculos que possam causar acidentes ou trazer risco de segurança ao consumidor, seja ele um deficiente motor, auditivo ou visual: “Qualquer coisa que possa ser um risco para ele deve se sinalizado”. Contraste de cores e texturas diferentes auxiliam pessoas com baixa visão, problema muito mais comum que a cegueira propriamente dita. Isso pode ser usado em vitrines e degraus, por exemplo. Um aviso luminoso, além do sonoro, auxilia pessoas deficientes auditivas. “O segredo é ter redundância de informação”.

De acordo com Sandra, a tendência é produzir espaços adequados ou modificar os já existentes: “Quem não fizer isso vai descartar e perder esse consumidor, que se torna uma parcela cada vez mais crescente da população. Hoje, diferente do passado, os idosos são mais ativos e gostam de sair. Não podemos deixar os lugares desconfortáveis para esse grupo. É uma mudança cultural que tem que entrar na cabeça das pessoas”.

Para ela, cada lojista tem de se preocupar em fazer a sua parte para atenuar a situação geral: “Tudo que é adaptado acaba fazendo a diferença. Temos de informar e conscientizar a população sobre as causas e conseqüências da impossibilidade do livre acesso e uso dos ambientes, bem como o que deve ser feito a respeito”.

Normas

Segundo o arquiteto Luiz Marcos Cintra, do Instituto Paradigma, todo espaço novo ou a ser modificado precisam atender às normas de acessibilidade. A NBR 9050, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), fixa os padrões e critérios que visam a propiciar às pessoas portadoras de deficiência condições adequadas e seguras de acessibilidade autônoma a edificações, espaço, mobiliários e equipamentos. Além disso, estabelecimentos com circulação superior a cem pessoas por dia devem atender a esses padrões, segundo as Leis Municipais 11.345/93, 11.424/93 e 12.815/99 e os Decretos 37.649/98, 38.443/99 e 45.122/04.

Cintra, que faz diagnósticos de espaços específicos para receber pessoas com limitações e prescreve as adaptações necessárias, explica que a norma contempla alguns detalhes, mas não tem nada específico para estabelecimentos comerciais: “Não basta aplicar a norma, é preciso entender, interpretar e questionar, pois há muito a ser melhorado. São Paulo já caminhou um pouco, mas o Brasil é grande. É questão de tempo”. (MO)