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Novos Tiradentes são devorados pelo Leão

Guarulhos, 22 de abril de 2005

Enforcados pela alta carga tributária, os inconfidentes do século XXI lutam contra a voracidade do Fisco

“O cidadão deve saber que não recebe nada de graça do Estado. Hoje, ao invés de um quinto, pagamos dois quintos ao governo.”
Guilherme Afif Domingos, presidente da ACSP

Pela lógica, países com carga tributária elevada deveriam oferecer serviços públicos de qualidade. Mas não é o que ocorre no Brasil. Aqui, a carga fiscal chegou a um limite insuportável – 38% do Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) – e o aumento não se refletiu na qualidade dos serviços prestados pelo Estado aos cidadãos, que pagam tributos sobre o que recebem, consomem e adquirem. Esta situação tem gerado contribuintes revoltados, que querem dar um basta ao aumento de impostos, como tentou fazer Tiradentes durante a Inconfidência Mineira. Os inconfidentes da atualidade pretendem tirar da forca, através de campanhas de conscientização, contribuintes que não aguentam mais pagar tantos tributos.

A luta recente contra a Medida Provisória 232 é um sinal dos novos tempos. Unidos, empresários, trabalhadores e consumidores conseguiram manter na MP apenas o que era justo: a correção da tabela do Imposto de Renda. O movimento, que conseguiu a adesão de mais de 1,5 mil entidades, foi precedido de outros desencadeados basicamente por entidades de classe.

“A sobrecarga de impostos sempre gerou protestos no País. Mas nunca surtiram o efeito desejado, como ocorreu com a MP 232”, diz o presidente do Sindicato das Empresas Contábeis do Estado de São Paulo (Sescon-SP), Antonio Marangon, um dos líderes da Frente Brasileira contra a MP 232. “O movimento serviu para mostrar que não estamos mortos, mas preparados para enfrentar qualquer tentativa de elevação de tributos.”

Para engrossar o movimento contra o apetite insaciável do Leão, os novos inconfidentes querem envolver a sociedade. Para isso, desenvolvem ações para mostrar que todo o cidadão, mesmo aqueles na informalidade, pagam, e muito, tributo. No Feirão do Imposto e na Calculadora do Imposto, ações desenvolvidas pela Associação Comercial de São Paulo (ACSP), os contribuintes conseguem ter uma boa noção da dura realidade. “O cidadão deve saber que não recebe nada de graça do Estado. Hoje, ao invés de um quinto, pagamos dois quintos ao governo. Dois quintos dos infernos”, afirma o presidente da ACSP, Guilherme Afif Domingos.

Nem sempre os novos inconfidentes estão participando ou à frente das entidades de classe. O advogado e ex-chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Kiyoshi Harada, é outro inconformado com os rumos da política tributária. Só que em vez de participar de protestos, Harada prefere escrever artigos picantes sobre as novas regras tributárias criadas pelo governo, quase sempre equivocadas e inconstitucionais. No momento, o advogado preocupa-se com o projeto de lei que vai substituir a MP 232. “Temos que estar mobilizados para dar uma resposta imediata às falsas premissas levantadas pelo governo para justificar a volta dos dispositivos rejeitados pelo Congresso, agora sob o manto de um projeto de lei, invocando a necessidade de combate à elisão fiscal”, afirma.

Diálogo – A falta de transparência e diálogo com quem realmente paga tributos também inspiraram campanhas. Em Curitiba, a Associação Brasileira de Defesa do Contribuinte (ABDC) e o IBPT lançaram o jornal “O Contribuinte”, com matérias e artigos contestatórios que tinha por objetivo exigir do poder público demonstrações financeiras que detalhassem o volume de impostos arrecadados e onde esses recursos eram aplicados.

Para o presidente dessas duas entidades, o tributarista Gilberto Luiz do Amaral, enquanto as campanhas, no passado, visavam alertar para o aumento da carga tributária, as atuais, como a nova Inconfidência, tem o objetivo de mostrar às pessoas porque elas estão na informalidade e devendo ao Fisco. “O sistema tributário é cruel. Já exauriu a capacidade econômica do contribuinte, levando-o à inadimplência e, consequentemente, comprometendo o seu patrimônio”, afirma.

“É inaceitável o contribuinte ser violentamente lesado e não poder nem reclamar judicialmente, como ocorria nos piores tempos do Brasil Colônia”, emenda o presidente da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), Luiz Flávio D” Urso, referindo-se às restrições que o governo pretende impor aos Conselhos dos Contribuintes.

Juntamente com a Federação do Comércio de São Paulo (Fecomercio-SP) e o Sescon-SP, a OAB-SP lançou em 2004 a campanha “Carga Tributária – Chega de Abuso”, que consistiu na veiculação de filmes publicitários e outdoors e envio de Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para reduzir a carga tributária para 20% do PIB e mudar o sistema tributário brasileiro.

Serviços – Em dez anos de existência, a Federação de Serviços do Estado de São Paulo (Fesesp) vem lutando contra a alta carga tributária por meio de ações judiciais, políticas e mobilizações. Em 2002, foi uma das criadoras da Ação Nacional pela Justiça Tributária (Anjut), formada por dezenas de entidades com o objetivo de inverter a tendência de aumento dos tributos e lutar por uma reforma tributária adequada. No ano seguinte, a Anjut lançou o “Movimento São Paulo contra o Aumento de Impostos e Novas Taxas”, campanha contra as taxas de lixo e de iluminação, criadas no fim de 2002 sem discussão com a sociedade em São Paulo, de acordo com Luigi Nese, presidente da Fesesp e da Confederação Nacional de Serviços (CNS).

Para ele, o sistema tributário brasileiro é tão complexo e oneroso que só incentiva a sonegação e a corrupção. “Não adianta a Receita Federal tentar inibir a corrupção e a sonegação gastando tanto e com tantas obrigações acessórias, que sempre haverá a possibilidade de corromper a fiscalização pelas brechas que as legislações deixam”, diz. “O governo estrangula tanto o contribuinte que o incentiva a deixar de pagar impostos. O ideal era simplificar o sistema.”

Combustíveis – Conscientizar candidatos a deputados e consumidores sobre a carga tributária que incide sobre o preço da gasolina foi o objetivo de duas campanhas realizadas pelo Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo do Estado de São Paulo (Sincopetro), nos últimos anos, em postos de combustíveis. Com adesivos e folhetos foi divulgado quanto do preço do litro da gasolina vai para os cofres públicos.

“Na primeira ocasião, a tentativa era de mudar a tributação do ICMS paulista, mas foi em vão. Na segunda, os motoristas ficaram mais conscientes da alta carga tributária aplicada sobre o combustível”, afirma José Alberto Paiva Gouveia, presidente do Sincopetro, para quem a questão dos tributos tem que ser revista totalmente, envolvendo União, estados e municípios.

Em 12 anos, participando de quatro fortes movimentos contra a alta carga tributária, e alcançando alguns poucos objetivos, o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) pretende lutar por mais competitividade no mercado interno, nova legislação para as micro e pequenas empresas, desoneração dos investimentos e controle das despesas governamentais. “A derrubada da MP 232 foi uma grande vitória de toda a sociedade, não só dos setores econômicos. Mas ainda temos muito a fazer”, diz o presidente da entidade, Cláudio Vaz.

A retomada da reforma tributária é um dos objetivos dos novos inconfidentes. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) lançou no ano passado a campanha “Menos Impostos, Mais Brasil” para mostrar que o diálogo era o melhor caminho para uma justa tributação.

Adriana David e Sílvia Pimentel