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BC surpreende e corta juro para 17,5%

Guarulhos, 20 de novembro de 2003

O Banco Central foi mais ousado do que esperava o mercado financeiro e fez, nesta quarta-feira, 19, um corte de 1,5 ponto percentual na taxa básica de juros da economia. A decisão de baixar a meta de Taxa Selic para 17,5% ao ano, porém, não foi unânime. Dos nove integrantes com direito a voto no Comitê de Política Monetária (Copom), dois votaram contra uma redução desta magnitude. Foi a primeira vez que houve divergência desde julho de 2002. Mantendo a tradição, o BC não divulgou e nem pretende divulgar quem votou diferente da maioria.

O presidente do BC, Henrique Meirelles, sem citar diretamente a decisão do Copom, disse que “ninguém pode questionar os resultados alcançados” pela política adotada até agora. “O BC trabalha com foco no resultado e tem como missão a estabilidade de preços”, destacou, para justificar como “acertada” a estratégia do BC.

Após o anúncio do Copom, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, HSBC e Bradesco anunciaram redução de juros em diversas linhas. Outros como Unibanco e Santander devem fazer o mesmo.

Com a decisão, a meta de Selic caiu ao menor nível desde 20 de junho de 2001. Também foi a primeira vez que a taxa caiu abaixo do que estava quando a crise de confiança associada ao processo eleitoral levou o BC a elevá-la de 18% para 21% ao ano, em outubro de 2002.

O mercado financeiro esperava que os juros básicos caíssem apenas 1 ponto percentual, para 18% ao ano, segundo pesquisa de expectativas feita pelo próprio BC e divulgada na última segunda-feira no boletim “Focus” – e confirmada por pesquisa do Valor.

Em breve nota, o Copom explicou que a decisão de fazer um corte maior foi tomada depois de avaliar as “perspectivas favoráveis para a trajetória da inflação” e o “balanço de riscos que cercam essa trajetória”. O BC não divulgou suas projeções, mas, segundo prevê o mercado, a inflação do IPCA deverá ficar em 6% em 2004, apenas meio ponto acima do centro da meta definida pelo Conselho Monetário Nacional.

Não foi adotado viés. Portanto, a meta de Selic fica em 17,5% ao ano no mínimo até a próxima reunião, marcada para 17 de dezembro.

O corte proporciona ao Tesouro Nacional uma redução de, no mínimo, R$ 5,475 bilhões nas despesas com juros em 12 meses. O cálculo toma como base a parcela da dívida mobiliária indexada à Selic, que era de R$ 365 bilhões ao final de outubro – já considerado o efeito dos contratos de “swap” cambial do BC sobre essa mesma dívida.

Para o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Horácio Lafer Piva, o corte de 1,5 ponto percentual “deixou claro que o Banco Central não está preso à lógica conservadora do mercado financeiro, de ajustes finos e decrescentes na política monetária”. Piva disse que o BC precisa manter a firme trajetória de queda dos juros para aquecer a confiança dos consumidores e a demanda por crédito, deixando alguma esperança aos industriais de receberem novas encomendas no início de 2004.

“Foi uma surpresa positiva”, diz o economista-chefe do Bradesco, Octavio de Barros. Segundo ele, a decisão consolida a retomada cíclica da economia e reduz as incertezas do mercado com relação à inflação, cenário externo e pressões cambiais no curto prazo. “Haverá um efeito-contágio positivo na comunidade empresarial, que foi ouvida e terá mais otimismo com relação ao crescimento do ano que vem”, afirmou.

O crescimento econômico maior reduz a relação entre a dívida do setor público e o Produto Interno Bruto – número olhado de perto pelos investidores para calcular o risco-país. Quanto maior a relação, maior o risco. A reação do mercado deverá ser positiva, avalia Barros, com alta na Bolsa, maior queda nos juros, no risco-Brasil e alta no C-Bond.

João Rabello, diretor executivo do Banco Fibra, concorda que o mercado vai reagir positivamente. “Os juros reais ainda estão muito altos. A renda e a inflação estão em queda e o fluxo de recursos externo continua positivo”, disse ele, que considera que o corte mais forte “já veio tarde”. Ele não nega que divulgou boletim prevendo a queda de 1 ponto percentual. “Eu defendia corte maior, mas acreditava em 1 ponto por causa do conservadorismo tradicional do BC”, justificou.

Segundo cálculos do Valor, considerando-se a Selic de 17,5% ao ano estável em 12 meses e a inflação medida pelo IPCA projetada pelo mercado em 5,93% ao ano, como no boletim “Focus”, os juros reais no país continuam em 10,92% ao ano. São ainda os maiores do mundo, de acordo com a Globalinvest.

Segundo Rabello, o único fator de estresse no mercado pode ser o fato da falta de unanimidade do Copom em tomar a decisão. Isso pode trazer preocupações entre os investidores, que vão se perguntar quem votou contra e por qual razão. As apostas eram de que Eduardo Loyo, Afonso Bevilaqua e Luiz Augusto Candiota seriam os prováveis candidatos.

Ricardo Malcon, presidente da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamentos e Investimentos (Acrefi), acredita que o controle da inflação fará com que o balizador da Selic não seja mais a inflação, “e sim o gradualismo adotado pelo governo para promover a retomada da economia”. Já Synésio Batista da Costa, presidente do Conselho Regional de Economia de São Paulo, afirmou, antes do anúncio da decisão do BC, que havia condições técnicas de reduzir a taxa de juros em pelo menos três pontos percentuais. “Seria um presente de Natal para o Brasil”, disse.

Cristiane Perini Lucchesi, Mônica Izaguirre e Patrick Cruz

Colaborou Ivana Moreira