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Sem medo da inflação de demanda

Guarulhos, 06 de outubro de 2003

Apesar das projeções de expansão do volume de crédito nos bancos neste último trimestre e em 2004, o aumento do consumo que as compras financiadas poderão gerar não deverá ser suficiente para causar a volta da inflação, dizem economistas. O Banco Central também descarta a hipótese, com o argumento de que a indústria ainda opera com capacidade ociosa e alto nível de estoques em alguns setores, o que afasta a possibilidade de alta dos preços em função de uma explosão de demanda.

Segundo projeção da Federação Brasileira das Associações de Bancos (Febraban), as operações de crédito deverão registrar crescimento este ano de 11,7%, sendo que os empréstimos em carteira livre poderão aumentar 10,73%. Para 2004, o economista-chefe da Febraban, Roberto Luís Troster, diz esperar crescimento de mais de 20% do volume de crédito oferecido pelos bancos, o que ele considera “uma explosão de crédito”.

O Banco Central divulgou na última semana que, nos 20 primeiros dias de setembro, o fluxo de crédito, na média diária, aumentou 4,6%, sendo 5,4% em empréstimos para empresas e 3,3% para pessoas físicas.

Apesar do crescimento já registrado nessas operações, a Federação Interestadual das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Fenacrefi) projeta expansão zero dos volumes de crédito das financeiras este ano, em relação ao ano passado e os mesmos 20% em 2004 em relação a este ano.

Programas para estimular a atividade econômica

Desde que o Banco Central reduziu a taxa básica de juros (Selic) em 6,5 pontos percentuais, para 20%, em movimento iniciado em junho, e a taxa de recolhimento compulsório sobre depósitos à vista dos bancos caiu de 60% para 45%, o Governo vem cobrando do setor bancário aumento da disponibilidade de crédito para estimular a volta do consumo e, conseqüentemente, a atividade econômica.

Diante da resistência do setor bancário, o Governo criou programas de incentivo ao crédito. Há, por exemplo, o microcrédito – que permite aos bancos utilizarem 2% do compulsório para oferecer empréstimos aos consumidores de baixa renda -, além de linhas de financiamento para compras de eletrodomésticos e de empréstimos com descontos em folhas de pagamentos, com taxas de juros que devem variar entre 2% e 4% ao mês.

Apesar dos incentivos do Governo, Troster descarta a possibilidade de inflação de demanda, já que existem “limitadores para a volta do consumo”. Ele lembra que a expansão da demanda não ocorre somente via crédito. Além disso, mesmo com uma expansão do volume de crédito de 20% no ano que vem, ele destaca que este mercado ainda é muito restrito no Brasil. “Em 2004 haverá uma explosão dos volumes de crédito se comparados aos níveis atuais, mas proporcionalmente, continuarão baixos”, pondera.

– No momento não vejo o risco de volta da inflação. Até porque a queda dos juros não é tão significativa para gerar uma bolha de consumo – acrescenta o vice-presidente da Fenacrefi, José Arthur Assunção. Para este ano, ele justifica que não deve haver expansão do crédito porque os níveis de desemprego ainda são altos e os salários reais continuam achatados.

O economista da Fundação Getúlio Vargas, responsável pela medição dos índices de inflação da instituição, Salomão Quadros, destaca que, embora o poder aquisitivo da população esteja melhorando, com a redução dos níveis de preço este ano, o aumento da capacidade de endividamento dos trabalhadores ainda vai demorar para ocorrer.

– Tomar dinheiro emprestado é uma decisão muito delicada. Mesmo com a queda da Selic e os incentivos do Governo, os juros bancários continuam muito altos para quem já tem o salário real comprometido – justifica Quadros.

O economista da FGV endossa a explicação do Banco Central para afastar o risco de uma inflação de demanda. “Mesmo que o nível de endividamento da população cresça, muitos setores da economia continuam com grande capacidade ociosa e outros setores ainda guardam estoques”, diz.

Quadros descarta, portanto, a possibilidade de uma explosão no crédito que poderia gerar um aumento na demanda insuportável para a indústria. “Os bancos também não vão sair oferecendo tanto crédito antes de a economia voltar a crescer”, justifica.

Marina Costa