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Crise do comércio afeta até a venda de alimentos

Guarulhos, 19 de agosto de 2003

A crise que levou o varejo ao pior resultado semestral desde 2001 – queda de 5,57% no volume de vendas – não poupou nem mesmo a comercialização de produtos básicos. Em junho, segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o setor com pior desempenho no comércio foi o representado por hipermercados, supermercados e demais estabelecimentos dedicados a produtos alimentícios, bebidas e fumo. As vendas desse segmento foram 8,27% menores do que as de junho do ano passado. O comércio como um todo vendeu 5,37% menos, registrando com isso a sua sétima queda consecutiva.

O presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), João Carlos de Oliveira, disse que as vendas de alimentos estão em queda desde 1998, quando o aumento do poder aquisitivo dos primeiros anos do Plano Real foi revertido numa aguda queda do valor real dos rendimentos que persiste até hoje. Segundo ele, ante um cliente ávido por ofertas, estratégias de fidelização estão sendo preteridas por uma tática mais premente: a realização de promoções. “Com tantas promoções, devemos fechar o ano com nova queda na margem de lucro”, disse Oliveira. No ano passado, informou o dirigente, a margem de lucro líquido sobre a receita bruta foi de 1,7%, já inferior à de 2% registrada em 2001.

Neste cenário, a Abras alterou sua previsão para as vendas do ano, que inicialmente apontavam alta de 2%. “Trabalhamos agora com um intervalo entre zero e 1%, com um foco realista no zero e um otimista no 1”, afirmou Oliveira. No ano passado, as vendas dos supermercados aumentaram 1,52%, resultado contudo insuficiente para reverter as perdas de 2% acumuladas desde 1998.

Para Nilo Lopes, economista do IBGE, a retração das vendas do comércio atingiu todo o país. Com exceção de Rondônia, que teve crescimento de 3,49%, todos os 27 Estados do Brasil encerraram o primeiro semestre do ano com queda no volume de vendas. São Paulo e Rio de Janeiro, responsáveis por mais de 50% do faturamento nacional, tiveram perdas de, respectivamente, 5,24% e 8,47%.

A magnitude da queda do primeiro semestre, contudo, selou nos especialistas que acompanham a atividade econômica uma crença, senão otimista, pelo menos animadora: para eles, já não existe espaço para declínios maiores. “O comércio não tem fôlego para cair mais”, disse Nilo Lopes. “O setor já chegou ao fundo do poço”, completou Carlos Thadeu de Freitas, chefe do departamento econômico da Confederação Nacional do Comércio (CNC).

Os dois observaram que, com exceção dos supermercados e hipermercados, todos os setores do varejo apresentaram em junho resultados menos negativos do que os de maio. O economista Francisco Pessoa, observou o caso de combustíveis e lubrificantes. O segmento, que apresenta elasticidade bem menor do que outros grupos, havia apresentado queda de 6,58% no volume de vendas no mês de abril e 2,12% no mês de maio. Em junho, o declínio foi de apenas 0,69%. “Isso é reflexo da deflação dos preços dos combustíveis”, atribuiu Pessoa.

Outro segmento que registrou diminuição na intensidade da queda foi o de móveis e eletrodomésticos. Este setor, mais sensível às condições de crédito e de confiança do consumidor, encerrou o semestre com recuo de 10,40% no volume de vendas, o maior de todo o comércio no resultado semestral. Mas em junho apresentou uma perda bem menor do que a de maio: 4,73% contra 10,70%.

Segundo Lopes, a perda de força da queda já é reflexo dos sinais de estímulo ao crescimento dado pelo governo. Em junho, o Banco Central iniciou, ainda que com um corte de apenas 0,5 ponto, o processo de redução da taxa básica de juros. Além disso, os índices de preços confirmaram que a inflação está sob controle, o que produz reflexos na confiança dos consumidores.

Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do Banco Central, e Pessoa, economista da LCA, afirmam que os próximos meses serão melhores, mas nem um deles se arrisca a prever crescimento. “A tendência é fechar o ano em queda”, disse o economista da CNC. Pessoa, por sua vez, aposta que os primeiros movimentos de retomada serão dos bens duráveis, os mais penalizados e os que mais dependem da esperada recuperação da confiança do consumidor e da flexibilização do crédito no país. “O crescimento não vai ser permanente, mas em suspiros”, definiu Freitas.

Apesar da queda no volume de vendas, a receita nominal (não deflacionada) do varejo aumentou 14,96% em junho e acumulou crescimento de 12,15% no primeiro semestre.