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Governo passa no teste do mercado financeiro

Guarulhos, 23 de junho de 2003

Em 180 dias, o mercado financeiro saiu do inferno e, se não chegou ao paraíso, já se estabeleceu no purgatório. O governo Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu dominar as desconfianças que vinham sendo alimentadas desde o turbulento período eleitoral. Acalmou os investidores e produziu uma radical inversão no curso dos principais indicadores: dólar, inflação e risco Brasil caíram; os juros entram agora em trajetória de queda; as empresas voltaram a captar recursos no mercado internacional; recuperam-se os negócios na Bovespa.

São conquistas que desenham tendências para os próximos meses. Analistas calculam que o dólar manterá a flutuação dentro de certa estabilidade, fechando 2003 cotado entre R$ 3,10 e 3,20. Este é um consenso entre eles; os economistas do BBV-Banco, por exemplo, cravam uma previsão de R$ 3,15, à luz dos dados disponíveis em meados de junho. Calcula-se também que a taxa básica de juros, atualmente em 26% ao ano, deva cair para 21% em dezembro; esta é a conta do economista do ABN Amro Asset Management, Aquiles Mosca, que igualmente reflete um consenso no mercado. Se isso ocorrer, o governo estaria preparando o terreno para retomar, em 2004, o crescimento de uma economia que sofre forte desaquecimento em 2003, apesar dos ganhos na balança comercial e no agronegócio.

Essa melhora substancial, na visão do mercado financeiro, foi possível porque o governo Lula optou pela continuidade da política macroeconômica, a manutenção da economia aberta, da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), do câmbio flutuante e da política de metas de inflação. Além disso, o governo, indo além do que o mercado financeiro esperava, aumentou as metas de superávit fiscal e conseguiu adiantar as reformas da previdenciária e tributária. Os únicos focos de tensão que podem reverter as expectativas otimistas dos investidores seriam exatamente impasses na aprovação das reformas ou uma crise financeira internacional.

Desde janeiro, o dólar comercial caiu 18%. A Bolsa de Valores de São Paulo subiu 16,5%. O C-Bond, título da dívida brasileira mais negociado no mercado internacional, teve alta de 37,5%. E o risco Brasil saiu de 1.279 pontos para 770 pontos (em 20 de junho). Na área financeira, tudo parece consistente. “O primeiro momento foi de alívio, mas agora a melhora do mercado já reflete os avanços do governo na agenda política com as reformas tributária e da previdência. Só haverá uma piora no mercado financeiro se houver impasses na aprovação das mudanças”, diz Aquiles Mosca, do ABN Amro.

Liquidez internacional

Além de deixar para trás as turbulências, o mercado financeiro teve recuperação com a ajuda do aumento da liquidez internacional, segundo o economista-chefe do Citibank, Carlos Kawall. “Há dinheiro sobrando e que está sendo aportado em países emergentes. O Brasil tem hoje um aumento de liquidez que se assemelha ao vivido em 1992”, diz. A baixa taxa de juros dos Estados Unidos (que é de 1,25% ao ano, mas pode chegar a 1% em setembro) e da União Européia (recentemente reduzida para 2%) desfavorece os investimentos em renda fixa naquelas regiões. E abre grandes janelas de oportunidade para o Brasil: não é por outra razão que as empresas brasileiras já captaram US$ 9 bilhões este ano (fora as operações do Tesouro), depois de terem encontrado as portas fechadas no ano passado.

A relação entre a dívida líquida do setor público sobre o PIB (dívida/PIB) também melhorou no governo atual, até agora. A dívida foi beneficiada pela queda do dólar, embora preocupe os exportadores. Mais de 30% do total dos títulos públicos são indexados à moeda norte-americana. Como o preço do dólar recuou, o estoque da dívida caiu. Em janeiro a relação dívida/PIB era de 55,15%; em abril, estava em 52,18%.

“Havia um excesso de pessimismo no mercado. A continuidade das políticas monetárias e fiscais afastou o risco de default (não pagamento) da dívida brasileira; isto foi reforçado pelo superávit primário de 4% do PIB”, diz o economista-chefe da Sul América Investimentos, Newton Rosa. Segundo ele, outro compromisso importante do governo Lula foi combater a alta de preços com uma política austera de inflação.

O economista-chefe do Credit Lyonnais, Dalton Gardiman, concorda. Em sua opinião, é indiscutível que houve uma melhora consistente do cenário macroeconômico. “O medo de mudanças na política econômica foi superado e a reversão das expectativas de câmbio fez a cotação voltar aos níveis do ano passado”.