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Gangues de Nova York conta o que os livros nunca revelaram

Guarulhos, 07 de fevereiro de 2003

arteGangues de Nova York, que chega aos cinemas neste final de semana é um dos favoritos ao Oscar, traz todas as marcas de uma obra-prima de Martin Scorsese: material novo e fascinante sobre sua amada cidade, alcance épico, um período de gestação igualmente épico, um elemento criminoso, elementos sócio-político-religiosos explosivos, atores notáveis e sofisticadas alusões à história do cinema.

O filme extremamente ambicioso surgido após cerca de 30 anos de esforços interrompidos e mais de dois anos de produção é uma obra impressionante e densa, que abre os olhos e as mentes dos espectadores para aspectos da história americana que os livros de história não revelam.

Depois de analisar a alta sociedade nova-iorquina com tanto cuidado em A Época da Inocência, quase dez anos atrás, Scorsese utiliza o gancho da guerra de gangues entre as classes mais baixas da cidade, nos anos 1860, para trazer à tona temas fascinantes, pertinentes e de maneira geral ignorados como a imigração em massa, a corrupção política, o preconceito, o primeiro alistamento militar obrigatório no país, a hostilidade de setores importantes do norte dos Estados Unidos em relação a Abraham Lincoln e à Guerra Civil, entre outros.

Assistir ao filme é como ver um livro de história aberto, sem poeira assentada e manchado de sangue.

História vermelha

E o sangue tem papel importante na trama, começando com um trecho de 15 minutos em que a gangue dos Nativistas Americanos, liderada por William Cutting, também conhecido como Bill, o Açougueiro (Daniel Day-Lewis) combate a desprezada gangue dos Coelhos Mortos, formada por católicos irlandeses recém-chegados ao país e liderada por Priest Vallon (Liam Neeson).

Brandindo lâminas de todos os tamanhos e formatos, os guerreiros urbanos, dezenas deles, se cortam e retalham, até que Bill consegue derrotar seu adversário principal e assumir o controle da área perigosa do Lower East Side de Manhattan conhecida, na época, como Five Points.

O filho pequeno de Vallon é testemunha do massacre e, em seguida, desaparece para passar 16 anos de aprendizado duro num reformatório, antes de voltar para Five Points em 1862. Amsterdam Vallon (Leonardo DiCaprio) está decidido a buscar sua vingança.

Na esperança de integrar-se ao cenário das gangues, Amsterdam confirma sua identidade apenas a seu velho amigo Johnny (Henry Thomas), a quem acompanha num trabalho, a pedido de Bill. Ele segue a órfã e batedora de carteiras Jenny Everdeane (Cameron Diaz) até o centro da cidade, onde ela usa roupas elegantes para entrar nas casas de famílias ricas e roubá-las.

Fica claro que Amsterdam e Jenny foram feitos um para o outro, mas, num primeiro momento, ela não quer saber dele.

Bill, que nunca teve um filho seu, adota Amsterdam como seu protegido e lhe ensina os truques de sua sangrenta profissão (nesse ponto, há uma cena digna de um clássico em que ele demonstra as técnicas de apunhalamento numa carcaça de porco).

Bill chega ao ponto de confidenciar a Amsterdam que Priest Vallon foi o único homem que matou a quem ele respeitava e lhe conta que o medo é a ferramenta que ele utiliza para manter a ordem. “A civilização está desabando”, ele lamenta e, nesse contexto, fica claro que a observação é totalmente verdadeira, desde o ponto de vista do criminoso.

Mesmo quando Jenny revela a Amsterdam, que a essa altura já é seu amante, a extensão de seu relacionamento passado com Bill, Amsterdam não tem coragem de abrir-se e dizer a ela quem ele realmente é. Mas sua verdadeira identidade acaba sendo revelada a Bill, que chega a um triz de matá-lo – em lugar disso, apenas o desfigura e manda embora.

Assim, abre-se o caminho para a longa convalescença de Amsterdam, como Marlon Brando em A Face Oculta, e seus preparativos para vingar-se do assassino de seu pai de uma vez por todas, numa trajetória dramática e inevitável.