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Empresas abrem espaço para os funcionários questionadores

Guarulhos, 22 de maio de 2002

Em 1996, a Philco lançou uma campanha em que formiguinhas eram lançadas ao ar quando encostavam na caixa de som do potente aparelho da marca. A propaganda foi um sucesso e, até hoje, as pessoas reconhecem a boa tacada da agência de publicidade F/Nazca, idealizadora da campanha. O que ninguém imagina, é que por trás da escolha estava a teimosia consciente do diretor de “brand development unit” (profissional responsável pelas áreas de atendimento e de mídia), Marco Formoso.

Em uma reunião com o cliente, Formoso enfrentou a sugestão do presidente da agência, Fábio Fernandes, que preferia outro filme. Sem conseguir convencer o chefe, ele não titubeou e, num lance ousado, propôs às pessoas presentes uma votação que elegeu o filme com os pequenos insetos. O resultado da campanha superou a expectativa e até ganhou uma segunda versão, com as famosas formiguinhas de capacete. “O Fábio é um gênio criativo, mas não é infalível”, justifica o rebelde Formoso, que há oito anos trabalha na agência. “Se não concordo, discuto até a morte e tento impor meu ponto de vista”.

Profissionais como o publicitário Formoso, considerados inconformistas, são extremamente importantes para a organização, garante Celso Campos, professor de marketing da Escola Brasileira de Administração Pública de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (Ebape/FGV) do Rio de Janeiro. “O funcionário que mais briga é o mais envolvido e o que mais contribui com a empresa”, diz Campos, que publicou um livro sobre o assunto. “Eles são até rebeldes, mas com idéias revolucionárias”.

Fábio Fernandes, presidente da F/Nazca, reconhece a importância de profissionais com o perfil de rebelde. “A agência só aceita gente com o perfil dele”, conta o publicitário que também se auto-intitula inconformista. “A diferença entre ele e eu é que hoje sou o dono da agência”, afirma. “Sou até mais inconformista do que ele”.

O presidente da agência ressalta que os principais ativos da agência são o talento e o cérebro de seus profissionais e que as pessoas que não se encaixam nesse perfil não conseguem se estabelecer na empresa. Fábio afirma que, às vezes, chega a se posicionar do lado errado de propósito, só para estimular a reação dos profissionais. “Eu poderia ter imposto a minha escolha no caso do filme das formiguinhas, mas aceitei a votação”, conta. “Mas os publicitários não participariam se o limite deles fosse o meu senso pessoal”.

Celso Campos conta que a empresa ideal é aquela em que todos os funcionários são inconformistas, mas reconhece que sua visão ainda é uma utopia. Ele acredita que a maior parte das empresas brasileiras ainda são tradicionalistas e centralizadoras de decisão. “Só em tempo de crise financeira, demissão de bons funcionários ou sucesso obtido com uma sugestão que a empresa atenta para o inconformismo.”

O engenheiro de produção Daniel Domeneghetti, como bom inconformista, discorda da análise do professor de que todos os funcionários deveriam ser inconformistas. “É uma característica importante, mas precisa ser decorrência da organização”, diz. “Além disso, a empresa não pode mandar embora quem contesta”.

Sócio da consultoria E-consulting, Domeneghetti conta que já brigou com clientes por causa de projetos que considerava tolos. A empresa chegou a recusar um projeto de R$ 2,5 milhões porque seus consultores não acreditavam em seu sucesso. “O cliente ficou assustado e não queria acreditar na recusa”, diz Domeneghetti. Na consultoria, inconformismo é um critério seletivo na hora de contratar. “Somos um bando de inconformados, que contesta até mesmo uns aos outros”.

Segundo Campos, as áreas que mais se aproximam do “ideal” inconformista são a de tecnologia, consultoria e publicidade. A primeira pela constante ebulição, a segunda pela exigência de autonomia para interagir com o cliente e a última porque trabalha com criatividade. “Essa garotada não aceita regras e propõe soluções que conduzem às grandes mudanças”.

Ricardo Diniz, primeiro brasileiro a presidir a Reuters no Brasil, bateu o pé e exigiu uma equipe nacional quando assumiu a direção da empresa, há cinco anos. “No começo foi duro fazer uma revolução, principalmente em uma multinacional”, afirma o administrador de empresas, de 44 anos. “É preciso ser maestro para trocar quase toda a equipe, mudar a imagem da empresa e ainda ter lucro logo no primeiro ano de presidência”.

O executivo chegou a utilizar artifícios no mínimo engraçados para conseguir o que achava fundamental para a empresa atingir suas metas. Diniz queria trazer um editor-chefe que atuava nos Estados Unidos, mas precisava do aval de um editor-chefe alemão. Este dizia ser difícil tal transferência, mas Diniz não hesitou. Aproveitou a dificuldade de expressão do alemão, fingiu não entendê-lo e desligou o telefone dizendo muito obrigado. Sem jeito, o editor alemão não teve como negar.