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Robin Hood e o IPTU

Guarulhos, 03 de dezembro de 2001

ImagemJá está na Câmara Municipal projeto de lei que trata de matéria tributária. Entre outras propostas para garantir o aumento da arrecadação, está a do IPTU progressivo combinado com revisão da planta genérica de valores. Louvável e é mesmo obrigação da equipe de finanças alcançar meios e modos de otimizar e ampliar a receita originária. Há um estudo interessante, por exemplo, para criação de um preço público pelo uso de logradouros, hoje utilizado impunemente por empresas de telecomunicações que rasgam o asfalto, incomodam o público, não restauram devidamente o pavimento e ainda largam sujeira que escoam para as galerias de águas pluviais.

Entretanto, no que se refere ao IPTU a situação precisa ser melhor conhecida e debatida. Ainda que a atual planta genérica de valores – a partir da qual se estabelecem os valores venais, fato gerador do tributo -, possa conter a necessidade de ajustes, na verdade o atual projeto parte de um estudo encomendado à época do governo jovinista e só agora concluído. Pela campanha publicitária empreendida, a proposta parece haver saído da lógica de Robin Hood: aumenta em 400% as isenções a pretexto de que ” não vale a pena cobrar valores ínfimos de tributos”, passando dos atuais 8.000 isentos para 40.000 isentos, criando assim um enorme vácuo de renúncia fiscal, e aumentando a tributação para outros munícipes. Nem poderia ser diferente. Afinal, a Lei de Responsabilidade Fiscal somente autoriza novos eventos de renúncia fiscal após sua edição quando comprovada a compensação de arrecadação.

E pelo que se ouve de parte significativa do empresariado industrial e comercial da cidade – justamente aquela que detém empresas de maior porte, dá empregos para milhares de trabalhadores e geram importantes tributos – é que ninguém vai se sensibilizar com o fato de que pequenas propriedades e galpões industriais de menor porte poderiam ser beneficiados com a redução de alíquotas. Até os “mais brandos” já defendem uma “chuva” de questionamentos e depósitos judiciais, em caso de majoração do tributo.

O que todos temem é justamente mais um aumento do enorme gravame fiscal sobre a produção. Não se pode perder de vista que a situação do empresariado, com raras exceções, não é nada fácil: há empresas se transferindo do município, outras reduzindo atividades e algumas até encerrando-as. Grandes cortes de postos de trabalho, infelizmente, já estão acontecendo, seja por conta da conjuntura mundial, seja pelas instabilidades macroeconômicas brasileiras.

Então, qualquer gravame, por mínimo que seja, piora o quadro que, no limite, resultará em diminuição da arrecadação de outros tributos (particularmente o ICMS, responsável por mais de 50% da arrecadação municipal), diminuição de investimentos privados, redução de postos de trabalho (e aí onerando os cofres públicos com novas demandas sociais) num movimento indesejável de expulsão de empreendimentos existentes (em direção a centros dotados de estímulos fiscais) e afugentando novos capitais.

Então, do ponto de vista econômico, ainda que o IPTU esteja estimado em 18% das receitas da administração direta no Orçamento para 2002, pode na prática não resultar em melhoria da arrecadação.

Já do ponto de vista do marketing político Guarulhos vai na contramão do mundo. O presidente dos EUA, George W. Bush, acaba de anunciar a redução de impostos justamente para estimular o crescimento da (já gigantesca) economia americana. E quem imagina por aqui que os beneficiários das isenções de IPTU vão dar grande importância para o fato se ilude: todas as pesquisas de opinião mostram que o eleitorado quer mesmo creches, escolas, postos de saúde, segurança, saneamento básico, asfalto, etc.. E ainda por cima haverá um grande descontentamento de quem for pagar a conta: justamente os formadores de opinião. Os marketeiros de plantão parecem se esquecer da agenda política.

Aliás, 1 x 0 para FHC dessa vez. Escrevi, há pouquíssimo tempo, que especialmente os administradores municipais de oposição ao governo federal (PT, PDT, PPS, parte do PMDB, etc.) deveriam desconfiar do alarde que o presidente fez quando editou recentemente o Estatuto das Cidades, conclamando a imprensa e dizendo que o édito seria a salvação das comunas. É óbvio que, na sua maioria, esses administradores municipais – envoltos com o Erário combalido, dívidas e etcétera e tal, estariam mesmo tentados à adoção do IPTU progressivo e ainda não perceberam o risco de tensões sociais que o usucapião urbano com prescrição aquisitiva de 5 anos vai gerar. Ambos os institutos estão previstos justamente nessa lei federal.

Assim, o governo preparou uma “bomba política de efeito retardado”, já que as insatisfações potencializadas dos formadores de opinião, nos municípios, vão atingir exatamente essas administrações oposicionistas. E, como todos sabem, em 2002 teremos eleições. A principal delas é a presidencial…

Portanto, debater à exaustão o assunto nunca é demais.

Antonio Martinho Risso
Advogado, Sociólogo, Professor e Comunicador.